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Até tem coisa escrita, mas tá tudo quebrado. Ainda falta texto e imagens, os números das seções e tabelas são provisórios, enfim… Considere isso aqui uma espiada nos bastidores.
Química com (um pouquinho de) contexto Unidade B ▪ Do que são feitas as coisas
Atualizado em 2 jul. 2025
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Formas e interações moleculares

Seções 8.1Os formatos das moléculas8.2Polaridade8.3Interações intermoleculares

8.1Os formatos das moléculas

Moléculas são coisinhas químicas tridimensionais. Os átomos em si não são bidimensionais, portanto as moléculas também não são. Dependendo de como uma molécula tem seus átomos ligados, ela pode ter vários formatos diferentes, e isso é um dos fatores que atribui tantas propriedades e características distintas às substâncias. Chamamos de geometrias moleculares os possíveis arranjos espaciais dos átomos nas moléculas.

Nós vamos analisar a geometria de moléculas simples, que têm um átomo central, ligado a vários outros, por exemplo: H2O, NH3, CH4 (Figura ?).

INSERIR FIGURA: Modelos moleculares: A: H2O. B: NH3. C: CH4

A teoria VSEPR

Desde os anos 1930, vários químicos propuseram uma teoria que explica como os átomos ligados a um certo átomo estão arranjados espacialmente em volta dele. Essa teoria é chamada de teoria da repulsão dos pares eletrônicos da camada de valência, ou VSEPR (do inglês “valence shell electron pair repulsion”).sigla-vsepr

De maneira geral, tudo o que estiver em volta de um átomo numa molécula, seja um outro átomo ligado ou um par eletrônico não ligante, vai se arranjar espacialmente de forma a ficar o mais afastado possível dos vizinhos. Isso acontece porque os pares de elétrons envolvidos nas ligações e os pares isolados exercem repulsão mútua e, por isso, tendem a ficar o mais afastado possível uns dos outros.

Mas como assim “mais afastado possível”?

Considere dois balões de festa cheios de ar, com os “bicos” amarrados e unidos pelos seus nós; se soltarmos esse arranjo no chão, ele vai adquirir um arranjo onde os dois balões ficam “opostos” um ao outro; dizemos que esse é um arranjo linear. Se traçarmos linhas partindo dos nós até as “pontas” dos balões, teremos duas linhas que formam um ângulo de 180° entre si.

Se forem três balões, e eles estiverem suficientemente cheios, eles vão naturalmente formar uma espécie de “Y”, num arranjo chamado de trigonal plano, trigonal planar, ou simplesmente trigonal, já que as “pontas” dos balões formam um triângulo. Nesse arranjo, o ângulo entre os balões é de 120°.

E se forem quatro balões? Será que eles se arranjam num formato de “X” (ou de “+”)? Não exatamente. O ângulo entre os balões num formato de “X” é de 90°, e esse ângulo não é o maior ângulo possível entre esses balões. Mas se um desses balões não ficar em contato com o chão, o arranjo se adapta formando um tetraedro e, portanto, adquire uma geometria tetraédrica, na qual três balões tocam o chão e um fica apontado para cima. Nesse arranjo, o ângulo entre os balões é de aproximadamente 109,5°arccos ou, se quisermos ser precisos, 109°28′ (109 graus e 28 minutos)minuto.

Esse comportamento dos balões, de se manterem afastados o máximo possível (ilustrado na Figura ?), é semelhante ao que acontece em torno de um átomo numa molécula: ligações covalentes e pares isolados de elétrons se afastam, dando diferentes formatos às moléculas.

INSERIR FIGURA: Arranjos de 2, 3 e 4 balões

A Tabela ? lista as geometrias mais comuns que ocorrem em torno de um átomo central de uma molécula, e essas geometrias estão ilustradas na Figura ?.

INSERIR FIGURA: Modelos moleculares das geometrias VSEPR
TABELA 8.1Possíveis geometrias moleculares em torno de um átomo central
Número de “coisas” em volta do átomo central Geometria das “coisas” Número de átomos ligados ao átomo central Número de pares de elétrons isolados do átomo central Geometria das ligações
1 linear 1 0 linear
2 linear 2 0 linear
3 trigonal plana 3 0 trigonal plana
2 1 angular
4 tetraédrica 4 0 tetraédrica
3 1 piramidal
2 2 angular
5 bipiramidal trigonal 5 0 bipiramidal trigonal
4 1 gangorra
3 2 em forma de T
2 3 linear
6 octaédrica 6 0 octaédrica
5 1 piramidal quadrada
4 2 quadrada plana

Perceba que, na Tabela ? há uma coluna enumerando “átomos ligados” em vez de “ligações”. Isso ocorre porque, na teoria VSEPR, ligações simples, duplas ou triplas contam como uma só “coisa”pares no esquema de repulsões mútuas.

Vejamos alguns exemplos:

Em algumas fórmulas estruturais mostradas, foram usados símbolos que ressaltam a tridimensionalidade:X-enantiômeros

Ângulos e comprimentos de ligação

Os ângulos entre as ligações dependem da geometria da molécula, como já mostrado na Figura aquela completa da VSEPR. Mesmo assim, os ângulos observados não são sempre os valores geometricamente exatos. Se os átomos ligados ao átomo central não forem do mesmo elemento, os diferentes tamanhos deles vão mexer um pouco nos valores dos ângulos de ligação, apesar de manter a geometria. Por exemplo, no formaldeído (CH2O), os ângulos observados não são 120° como diz a geometria trigonal: os ângulos HCO são aproximadamente 122° e o ângulo HCH é aproximadamente 116° (Figura ?).

INSERIR FIGURA: Modelo molecular do formaldeído (CH2O)

Além disso, segundo a teoria VSEPR, os pares de elétrons isolados exercem uma repulsão maior sobre outros pares de elétrons ligados. Isso faz com que eles “ocupem mais espaço”, aproximando os átomos ligados em torno de um átomo central. Na verdade, a repulsão aumenta à medida que mais pares isolados estiverem envolvidos; a repulsão entre pares isolados é maior que par isolado–par ligado, que é maior que entre pares ligados.

Por exemplo, a amônia (NH3, piramidal) e a água (H2O, angular) têm geometrias derivadas da geometria tetraédrica, cujo ângulo de ligação é 109,5°, mas essas moléculas têm pares de elétrons isolados. O N da amônia tem um par isolado, fazendo os ângulos HNH serem em torno de 106° (Figura amônia); o O da água tem dois pares isolados, e por isso o ângulo HOH é em torno de 104° (Figura água).

INSERIR FIGURA: Modelo molecular da amônia (NH3)
INSERIR FIGURA: Modelo molecular da água (H2O)

Os comprimentos de ligação dependem do raio dos átomos envolvidos e são, basicamente, a distância média entre os núcleos desses átomos. A Tabela ? mostra os comprimentos típicos de algumas ligações covalentes. É possível notar, por exemplo, que entre as ligações entre átomos de carbono, a simples (C−C) é mais longa, a dupla (C=C) tem comprimento intermediário e a tripla (C≡C) é mais curta; esse padrão (quanto mais elétrons compartilhados, mais curta a ligação) também aparece nas ligações entre C e O e entre N e O.

TABELA 8.2Comprimentos médios de algumas ligações covalentes
Ligação Comprimento médio (pm)
H−H 74
C−C 154
C=C 134
C≡C 120
C−H 109
C−O 143
C=O 112
O=O 121
O−H 96
N≡N 110
N−H 101
N−O 140
N=O 120
F−F 142
Cl−Cl 199
Br−Br 228
I−I 268

Fonte: ATKINS, P.; JONES, L.; LAVERMAN, L. Princípios de química: questionando a vida moderna e o meio ambiente. 7. ed. Porto Alegre: Bookman, 2018. p. 101.

Perceba que os valores de comprimentos de ligação estão na faixa de centenas de picometros (1 pm = 10−9 m); é comum também expressar esses valores em angstroms (1 Å = 10−10 m), já que 100 pm = 1 Å.

Por fim, cabe reforçar: esses ângulos e comprimentos de ligação são valores médios. Primeiro, porque a mesma ligação pode ter diferenças de comprimento em moléculas diferentes, dependendo de quais átomos houver ao redor. Segundo, porque átomos e moléculas estão sempre em agitação, então esses valores nunca são fixos, eles sempre variam um pouco.

Modelos moleculares

Nas últimas páginas e em capítulos anteriores, apareceram várias representações de moléculas. Especialmente após ter noções de geometria molecular, é interessante conhecer os diferentes tipos de modelos moleculares.

Apesar de termos abordado como o entendimento dos átomos mudou ao longo da história da Química, ainda é extremamente válido representar átomos por bolinhas rígidas, quando o que importa é mostrar a geometria e o formato de uma molécula.

Em diversos modelos moleculares, átomos são representados por bolinhas coloridas. A cor da bolinha representa o elemento químico e, eventualmente, o tamanho da bolinha dá uma noção do tamanho do átomo em relação aos outros. Os tons exatos das cores podem variar, mas para os elementos mais comuns se usa as seguintes cores:

Modelos moleculares de bolas e varetas representam as ligações químicas por pequenas barrinhas entre os átomos, uma para a ligação covalente simples, duas para a ligação dupla e três para a ligação tripla. Em modelos gerados por software, essas barrinhas são retas. Em modelos físicos (de plástico, por exemplo), geralmente são hastes flexíveis; quando é necessário representar ligações duplas e/ou triplas, elas são encurvadas para encaixar em furos já feitos nas bolinhas, alinhados de acordo com o número típico de ligações do elemento. Por exemplo, o átomo de carbono faz quatro ligações simples, então a bolinha preta já vem com quatro furos (na geometria tetraédrica); para representar uma ligação dupla com essa bolinha, duas varetas flexíveis são usadas em dois furos diferentes.

Os modelos de bolas e varetas são excelentes para visualizar os ângulos entre as ligações químicas. Quando são modelos físicos comprados ou modelos gerados por computador, os ângulos são bem próximos dos valores conhecidos. Caso você queira fazer um kit artesanal, um monte de bolinhas de isopor (para os átomos) e palitos de dente (para as ligações) já são um ótimo ponto de partida. (Porém pode ser um pouco difícil acertar os ângulos dos furos.)

Eventualmente, pode ser feito um modelo só de varetas, sem usar bolinhas para representar átomos: eles passam a ser as junções das varetas, coloridas adequadamente. Modelos artesanais desse tipo podem ser feitos com pedaços de canudo de refrigerante, por exemplo.

Para ter uma noção do formato e do tamanho da molécula, sem se preocupar em ver as ligações, usa-se modelos de preenchimento: os átomos ficam grudados uns nos outros. Modelos comerciais geralmente vêm com uma varetinha minúscula de plástico para simular essa junção, mas os tamanhos das bolinhas costumam ser os mesmos (exceto o hidrogênio); em modelos gerados por software, a junção entre os átomos é mais “achatada”, para dar a ideia de que os átomos compartilham eletrosferas nas ligações, e os tamanhos das bolinhas refletem os tamanhos dos átomos.snatoms

Hexafluoreto de enxofre

Um efeito conhecido do gás hélio tem a ver com o som: quando uma pessoa aspira um pouco de gás hélio, a voz dela sai com um tom mais agudo (mais fino). Mas existe o efeito inverso, e o responsável por ele geralmente é um gás chamado hexafluoreto de enxofre (SF6): ao aspirá-lo, a voz da pessoa fica mais grave (mais grossa).

Isso acontece porque o SF6 é bem mais denso que o ar, interferindo na velocidade do som. No SF6, o som se move com aproximadamente 40% da velocidade que ele tem no ar e isso causa uma mudança no timbre dele, já que isso realça outras frequências que não são destacadas no ar. No SF6, frequências mais baixas (graves) são destacadas, por isso a voz soa mais grossa.

Mas não é só pela mudança de voz que o SF6 é conhecido. Por ser incolor e mais denso que o ar, dá pra flutuar coisinhas leves nele (como bolhas de sabão e barquinhos de papel alumínio), essencialmente fazendo parecer que essas coisas estão levitando.

Além disso, o SF6 é inerte, ou seja, não reativo. Por isso é possível aspirá-lo em pequenas quantidades sem muitos problemas (apesar de que, se alguém aspirar muito desse gás, pode ocorrer asfixia porque ele rouba o lugar do oxigênio). Um possível motivo dessa inércia tem a ver com a geometria octaédrica da molécula de SF6, em que o átomo de enxofre fica “inacessível” por causa dos seis átomos de flúor ao redor.

O SF6 é um gás dielétrico, ou seja, requer uma tensão elétrica muito alta para conduzir eletricidade. Por isso, ele é usado na indústria da energia elétrica como isolante elétrico em ambientes de alta tensão. Por exemplo, na Usina Hidrelétrica de Itaipu, o SF6 é usado para isolar os fios da subestação de energia elétrica.

Apesar desses usos, quando o SF6 vai para a atmosfera, ele permanece inalterado por muito tempo e contribui para o aumento do efeito estufa da Terra (ocasionando aquecimento global), de forma muito mais intensa que o gás carbônico (CO2) e o metano (CH4). Por isso, suas emissões (apesar de baixas) também são controladas desde a assinatura do Protocolo de Kyoto em 1997.

Fontes consultadas: MANUAL DO MUNDO. Entramos nas TURBINAS de ITAIPU! #Boravê, 22 ago. 2017. Disponível em: https://youtu.be/48IlepuOvLw. / MANUAL DO MUNDO. “Anti-hélio”, o GÁS que DEIXA VOZ GROSSA, 28 ago. 2018. Disponível em: https://youtu.be/_OcMIlho8Sc. / Physics in Speech. Disponível em: https://www.animations.physics.unsw.edu.au/jw/speech.html. Acessos em 9 set. 2022.

8.2Polaridade

Apesar de moléculas não envolverem uma transferência definitiva de elétrons entre átomos (como ocorre numa ligação iônica), é possível que haja regiões mais negativas e mais positivas em ligações covalentes e em moléculas. Isso influencia nas características das substâncias moleculares e depende de fatores como a geometria da molécula e as eletronegatividades dos átomos envolvidos.

Eletronegatividade

Uma característica de todos os átomos é a atração dos seus elétrons pelos seus núcleos. Só que essa atração não é uniforme: depende do tamanho do átomo, da carga nuclear (número de prótons) e de quais elétrons estamos falando.

Essa atração de um átomo pelos seus elétrons, especialmente os que estão sendo compartilhados em ligações, é chamada de eletronegatividade (eventualmente representada por χqui ou por EN). Existem várias escalas de eletronegatividade, e vamos usar como referência a escala mais comum, com valores determinados pelo químico americano Linus Pauling (e posteriormente refinados por outros cientistas). A Figura ? mostra alguns desses valores de eletronegatividade.

INSERIR FIGURA: Valores de eletronegatividade de Pauling para os primeiros 103 elementos

Perceba que átomos de não metais têm maiores valores de eletronegatividade, e átomos de metais têm menores valores. Num mesmo período da tabela periódica, a eletronegatividade geralmente aumenta para a direita, e num mesmo grupo ela geralmente aumenta para cima (Figura ?).

INSERIR FIGURA: Esquema de variação da eletronegatividade na tabela periódica

Ligações polares e apolares

Quando dois átomos estão ligados, os elétrons compartilhados sofrem atração dos dois núcleos ao mesmo tempo. Dependendo dos átomos envolvidos, especificamente das suas eletronegatividades, os elétrons da ligação podem ficar distribuídos igualmente ou ficarem mais deslocados para perto de um dos átomos.

Quando a ligação é feita por átomos do mesmo elemento, ambos têm a mesma eletronegatividade, e ambos “puxam” os elétrons da ligação para perto com a mesma intensidade. Os elétrons até se mexem normalmente, mas tendem a ficar numa posição de “equilíbrio” entre os núcleos, sem ficarem permanentemente mais próximos de um ou do outro átomo. Uma ligação assim é considerada uma ligação covalente apolar.

Quando a ligação é feita por átomos de elementos diferentes, aquele que tiver a maior eletronegatividade vai “puxar” os elétrons da ligação para perto de si, adquirindo uma carga parcial negativa (δ−)delta. O outro átomo perde um pouco da atração pelos elétrons, ficando com uma carga parcial positiva (δ+). Uma ligação assim é considerada uma ligação covalente polar.

Quando a diferença de eletronegatividade entre os dois átomos da ligação é muito alta (geralmente maior ou igual a 2,0), o par eletrônico fica permanentemente próximo do elemento mais eletronegativo, a ponto de a ligação poder ser considerada uma ligação iônica. Por exemplo, se compararmos as ligações nas substâncias Cl2, HCl e LiCl, temos que:

A existência de cargas parciais numa ligação dá origem a um dipolo elétrico, e a polaridade de uma ligação é dada pelo momento de dipolo (\(\boldsymbol{\vec{\mu}}\))mi, que é um vetor representado na direção da ligação, apontando para o átomo mais eletronegativoseta-dipolo (Figura ?). É comum o vetor \(\vec\mu\) ser desenhado com um pequeno risquinho na ponta inicial da seta (dá até pra enxergar esse risquinho como formando um “+” com a linha).

INSERIR FIGURA: Vetor momento de dipolo

Uma ligação polar tem \(\vec\mu \neq \vec{0}\), enquanto que uma ligação apolar tem \(\vec\mu = \vec{0}\), já que não existem δ− e δ+ permanentes nela. Quanto maior a diferença de eletronegatividade entre os átomos da ligação, maior a intensidade do momento de dipolo.

É possível calcular e comparar valores do módulo do momento de dipolo. A unidade típica usada em Química é o debye (D)debye, nomeada em homenagem ao físico neerlandês Peter Debye.cálculo-momento-dipolo O debye não é uma unidade SI, mas é mais apropriada; para ter uma noção: se tivéssemos um elétron e um próton separados por uma distância de 100 pm, o momento de dipolo desse conjunto seria de 4,80 D. Para os exemplos citados, os momentos de dipolo são 0 D para a ligação no Cl2, 1,11 D para a ligação HCl e 7,13 D para a ligação LiCl.

Um recurso muito útil para visualizar a polaridade de ligações (e de moléculas) é um mapa de potencial eletrostático, que é um modelo molecular colorido de acordo com a distribuição eletrônica: uma região azul indica uma polaridade positiva, uma região vermelha indica uma polaridade negativa, e uma região sem polaridade pode ser colorida de verde ou de branco (dependendo da escala usada).

A Figura ?F10 mostra mapas de potencial eletrostático para os exemplos abordados nos parágrafos anteriores.

INSERIR FIGURA: Mapas de potencial eletrostático para algumas ligações. A: F2. B: HF. C: LiF

Polaridade de moléculas

O fato de uma molécula ter ligações polares não garante que ela seja polar, por incrível que pareça. Os dipolos das ligações polares são vetores, funcionando de maneira mais ou menos parecida com um cabo de guerra.

Para saber se uma molécula é polar, temos que saber se esses vetores momento de dipolo se cancelam ou se somam gerando um momento de dipolo resultante (\(\boldsymbol{\vec{\mu}_{\mathrm{R}}}\)) diferente de zero.

O vetor \(\vec{\mu}_{\mathrm{R}}\) é obtido fazendo a soma vetorial de todos os vetores \(\vec{\mu}\) de todas as ligaçõessomatório, levando em conta a geometria da molécula. Se \(\vec{\mu}_\mathrm{R} = \vec{0}\), a molécula será apolar; se \(\vec{\mu}_\mathrm{R} \neq \vec{0}\), a molécula será polar.

A soma vetorial pode ser feita de vários jeitos. Aqui, vamos fazê-la “enfileirando” um vetor atrás do outro; dessa forma, o vetor soma parte do início do primeiro vetor direto pro fim do último (Figura ?).

INSERIR FIGURA: Exemplos de somas vetoriais

A Tabela ? mostra algumas análises de somas vetoriais. Podemos notar algumas regularidades:

TABELA 8.3Polaridade e soma vetorial dos momentos de dipolo de algumas moléculas
fórmula molecular fórmula estrutural e vetores \(\boldsymbol{\vec\mu}\) soma dos vetores \(\boldsymbol{\vec\mu}\) conclusão
HCl só tem um vetor \(\vec\mu\), a molécula HCl é polar
CO2 os vetores \(\vec\mu\) se cancelam, a molécula CO2 é apolar
BF3 os vetores \(\vec\mu\) se cancelam, a molécula BF3 é apolar
CH4 os vetores \(\vec\mu\) se cancelam, a molécula CH4 é apolar
CCl4 os vetores \(\vec\mu\) se cancelam, a molécula CCl4 é apolar
H2O os vetores \(\vec\mu\) não se cancelam, a molécula H2O é polar
NH3 os vetores \(\vec\mu\) não se cancelamsoma-vetores-NH3, a molécula NH3 é polar
HCN os vetores \(\vec\mu\) não se cancelam, a molécula HCN é polar
CH2O os vetores \(\vec\mu\) não se cancelam, a molécula CH2O é polar
CHCl3 os vetores \(\vec\mu\) não se cancelam, a molécula CHCl3 é polar
CH2Cl2 os vetores \(\vec\mu\) não se cancelam, a molécula CH2Cl2 é polar

Para as moléculas tetraédricas, talvez seja um pouco difícil visualizar a soma vetorial, então a Figura ?F4 ilustra com detalhes a soma dos vetores \(\vec{\mu}\) no CH4, no CCl4 e no CH2Cl2.

INSERIR FIGURA: Soma vetorial no CH4, no CCl4 e no CH2Cl2

Existe um outro tipo de análise que pode ser feito e que não envolve soma vetorial: simetria. Se o átomo central da molécula estiver cercado por um ambiente totalmente simétrico, a molécula não é polar.

A ideia aqui não é nos aprofundar em todas as simetrias possíveis ao redor de um átomo, mas usar a nosso favor o fato de que as geometrias linear (em volta de um átomo central), trigonal e tetraédrica são bem simétricas e que, se um átomo central estiver ligado a átomos do mesmo elemento nessas geometrias, a molécula será apolar. Por exemplo: CO2, BF3, CH4 e CCl4 são moléculas que se encaixam nisso e são apolares.

Caso haja uma “diminuição” nessa simetria, como ter um átomo de outro elemento (ex.: HCN, CH2O, CHCl3) ou ter um átomo faltando e no lugar ter um par isolado (ex.: SO2, NH3), a molécula passa a apresentar polaridade.simetrias-5-6

Para reforçar a polaridade de algumas moléculas, a Figura ? mostra mapas de potencial eletrostático para os exemplos da Tabela acima.

INSERIR FIGURA: Mapas de potencial eletrostático para algumas moléculas. A: HCl. B: CO2. C: BF3. D: CH4. E: CCl4. F: H2O. G: NH3. H: HCN. I: CH2O. J: CH2Cl2.

8.3Interações intermoleculares

Assim como íons com cargas opostas, as moléculas também se atraem entre si, e é isso que faz com que várias substâncias existam. Essa atração existe independentemente da polaridade da molécula, como veremos adiante, mas a intensidade dela interfere em diversas propriedades dos materiais.

De início, podemos dizer que essas interações estão intimamente ligadas ao estado em que uma substância está. Em geral:

(Considere “partículas” ali de uma maneira genérica: pode ser íons, moléculas ou átomos isolados, depende da substância.)

Nós veremos detalhes sobre cada estado da matéria em capítulos futuros. Por enquanto, vamos entender quais são essas interações de atração que podem acontecer entre moléculas, sejam elas polares ou apolares.

Interações dipolo–dipolo

Quando uma molécula é polar, a carga negativa total dos elétrons (comumente chamada de densidade eletrônica) está distribuída de maneira desigual: existe uma região “mais negativa” (δ−) e uma região “menos negativa” (δ+). Dessa forma, a molécula em si passa a ser um dipolo permanente.

Quando moléculas polares estão próximas, existe uma atração eletrostática entre a parte parcialmente positiva (δ+) de uma molécula com a parte parcialmente negativa (δ−) da outra. Como essa atração é um processo favorável, que diminui a energia dessas moléculas, elas permanecem próximas, se alinhando para aumentar ao máximo essas atrações (Figura ?). alinhamento

INSERIR FIGURA: Esquema de forças dipolo-dipolo numa molécula polar (HCl)

Essa atração é chamada de interação dipolo permanente–dipolo permanente ou, simplesmente, interação dipolo–dipolo. A intensidade das forças dipolo–dipolo depende da polaridade das moléculas envolvidas.

Ligações de hidrogênio

Quando a molécula tem átomos de hidrogênio ligados a átomos muito eletronegativos, como F, O ou N, a intensidade das forças dipolo–dipolo é tão alta que ela é considerada uma interação à parte: uma ligação de hidrogênioponte.

Como os átomos de hidrogênio são pequenos e têm apenas um elétron, quando eles participam de uma ligação com um elemento muito eletronegativo como F, O ou N, a diferença de eletronegatividade deixa os átomos de H extremamente positivos. Esses átomos de H passam a ser fortemente atraídos por outros átomos de F, O ou N próximos, criando a ligação de hidrogênio. Por exemplo, entre moléculas de água, temos:

\[\ce{H-O-H \bond{...} OH2}\]

As ligações de hidrogênio são o motivo de a água ferver a 100°C (ao nível do mar), uma temperatura alta demais para uma substância com moléculas tão pequenas. Essas ligações são tão fortes, e mantêm as moléculas H2O tão unidas na fase líquida, que é necessária uma temperatura bem alta para separá-las e transformá-las na fase gasosa.

Para ferver um líquido, é preciso fornecer energia suficiente (pelo aquecimento) para que as moléculas se mexam de forma a se “soltarem” da atração intermolecular. Essa energia depende da massa das moléculas e da intensidade dessa atração. As moléculas de água, apesar de serem leves, se atraem por ligação de hidrogênio, o que aumenta muito a temperatura de ebulição. Isso pode ser visto comparando as temperaturas de ebulição dos hidretos dos elementos do grupo 16; à medida em que se “desce” na tabela periódica (e na Tabela ?), a massa das moléculas desses hidretos aumenta. As únicas exceções são as moléculas de NH3, H2O e HF (Figura ?).

TABELA 8.4Temperaturas de ebulição (°C) dos hidretos dos elementos dos grupos 14, 15, 16 e 17
grupo 14 grupo 15 grupo 16 grupo 17
2º período CH4 −161 NH3 −33 H2O 100 HF 20
3º período SiH4 −112 PH3 −88 H2S −60 HCl −85
4º período GeH4 −88 AsH3 −63 H2Se −41 HBr −66
5º período SnH4 −52 SbH3 −17 H2Te −2 HI −36

Fonte: CRC Handbook

INSERIR FIGURA: Gráfico das temperaturas de ebulição dos hidretos dos elementos dos grupos 14, 15, 16 e 17

Interações dipolo instantâneo–dipolo induzido

Quando uma substância tem moléculas apolares, não existe um momento de dipolo, então não tem como haver interações dipolo–dipolo ou ligações de hidrogênio.

Mas, os elétrons se mexem, então a densidade eletrônica em volta de uma molécula apolar não é constante. Em algum momento, pode ter maior densidade eletrônica de um lado do que do outro, e isso cria um leve dipolo instantâneo.

A presença inesperada desse dipolo instantâneo faz as moléculas vizinhas também criarem dipolos: a parte δ− do dipolo instantâneo repele os elétrons das partes próximas das moléculas vizinhas, criando uma parte δ+ (e uma δ− do outro lado). Dizemos que o dipolo instantâneo induziu a criação de novos dipolos (dipolos induzidos), gerando uma atração chamada de interação dipolo instantâneo–dipolo induzido (frequentemente resumido como “interação dipolo induzido”) ou força de dispersão.van-der-waals

Quando o dipolo instantâneo se desfaz (porque os elétrons continuam se mexendo), os dipolos induzidos também se desfazem. Só que essa criação/destruição de dipolos ocorre constantemente ao longo da substância, então sempre existe uma atração entre moléculas apolares.

É importante reforçar que as interações de dipolo induzido ocorrem em todas as moléculas, e também em átomos isolados, como nos gases nobres. A questão é que, em moléculas polares, as forças dipolo–dipolo e/ou ligação de hidrogênio são muito mais intensas; então as interações dipolo induzido são mais discutidas para substâncias apolares.

A interação de dipolo induzido é bem mais fraca que as outras (dipolo–dipolo e ligação de hidrogênio) e depende da proximidade das moléculas envolvidas. Além disso, depende da polarizabilidade da molécula: uma medida de quão fácil é “distorcer” a densidade eletrônica em volta dela. Em geral, a polarizabilidade aumenta com o número de elétrons; dessa forma, quanto maior o tamanho e a massa da molécula, mais fortes serão as interações de dipolo induzido. Isso se reflete em características como a temperatura de ebulição; a Tabela ? mostra as temperaturas de ebulição das substâncias simples dos halogênios e gases nobres.

TABELA 8.5Temperaturas de ebulição (°C) dos halogênios e gases nobres
grupo 17 grupo 18
1º período He −269
2º período F2 −188 Ne −246
3º período Cl2 −34 Ar −186
4º período Br2 59 Kr −153
5º período I2 184 Xe −108

Fonte: CRC Handbook

Outras interações

As interações dipolo induzido, dipolo–dipolo e ligação de hidrogênio são as mais comumente comentadas quando se trata de interações entre moléculas. Mas é relevante destacar algumas outras interações possíveis, que são importantes para entender o comportamento e as propriedades de algumas substâncias.

Quando íons estão juntos de moléculas polares (por exemplo, cloreto de sódio dissolvido em água), ocorre uma forte atração entre eles: os cátions são atraídos pela parte δ− das moléculas, enquanto que os ânions são atraídos pela parte δ+. Essas interações, chamadas íon–dipolo são extremamente importantes na dissolução de substâncias iônicas em água.

Quando moléculas apolares estão juntas de moléculas polares (por exemplo, gás oxigênio dissolvido em água), existem forças de atração dipolo permanente–dipolo induzido, já que as moléculas polares induzem a formação de dipolos nas moléculas apolares. Porém, isso não garante que essas substâncias vão se misturar muito bem; um exemplo típico é a junção de água (polar) e óleo de cozinha (praticamente apolar): até existe interação entre as moléculas de água e óleo, mas ela não supera as interações óleo–óleo e água–água, e por isso um não se dissolve no outro.

Lagartixas

Quando você usa uma fita adesiva para fixar um pôster na parede, você precisa que ela tenha uma boa cola para deixá-lo lá por um bom tempo. A cola é feita de algum material que tem moléculas que interagem muito bem com as moléculas da parede, e por isso consegue segurar o pôster. Uma cola versátil é feita de uma substância que interage bem com diversos materiais, como papéis, plásticos e madeiras.

Outra coisa que geralmente fica grudada na parede é uma lagartixa. Lagartixas não têm colas nos pés, afinal elas conseguem andar na parede, mas conseguem isso de um jeito parecido. Vimos que, mesmo que as moléculas de uma substância sejam apolares, elas têm interações atrativas entre si, que são as forças de dispersão (dipolo instantâneo–dipolo induzido). Essas forças são bem mais fracas que ligações covalentes ou iônicas, então individualmente elas não conseguiriam segurar uma lagartixa inteira na parede.

Só que as patas das lagartixas não são superfícies como a pele humana, por exemplo. Quando você encosta um dedo numa superfície qualquer, existem forças de dispersão entre a pele e a superfície, mas os pontos de contato não são muitos, já que a pele não é extremamente lisa. Então você não gruda facilmente o seu dedo na tecla do seu teclado, por exemplo.

Porém, as lagartixas têm um truque: as patas delas têm superfícies extremamente rugosas e cheias de dobras e reentrâncias. Nessas dobras há vários “pelinhos” minúsculos, que aumentam pra caramba a área de contato entre a pele da lagartixa e a parede e, com isso, o número de forças de dispersão dispara. Como a área de contato é enorme, a totalidade das forças de dispersão consegue manter a lagartixa agarrada na parede.

Essa aderência das patas da lagartixa é estudada por vários cientistas, e já existem objetos sintéticos que tentam replicar ao máximo a superfície complexa das patas. Um caso são fitas adesivas que não usam adesivos, mas grudam em objetos apenas em direções específicas, e se desgrudam com facilidade ao serem puxadas em outras direções. Essas fitas têm várias ranhuras minúsculas paralelas; ao grudar a fita, se aplica uma força que “desliza” essas ranhuras numa direção, aumentando a área de contato. Fitas como essas podem ter uso na manipulação de objetos frágeis por braços e garras robóticas, por exemplo.

Fontes consultadas: AUTUMN, K. et al. Evidence for van der Waals adhesion in gecko setae. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 99, n. 19, p. 12252–12256, 17 set. 2002. / VERITASIUM. The Stickiest *Non-Sticky* Substance, 23 jan. 2023. Disponível em: https://youtu.be/vS0TuIPoeBs. Acessos em 24 fev. 2024.