Soluções tecnicamente podem ser sólidas, líquidas ou gasosas; mas tipicamente, nos referimos a soluções líquidas, ou seja, líquidos com algum material dissolvido. A presença de solutos em um líquido altera as propriedades físicas dele. Por exemplo, adicionar sal de cozinha à água faz com que ela ferva e congele em temperaturas diferentes de 100°C e 0°C (ao nível do mar), respectivamente.
Só que alguns desses efeitos dos solutos em líquidos não dependem de quem é o soluto. O que faz diferença é quanto soluto tem; especificamente, o que influencia nesses efeitos é o número de partículas (moléculas, íons) de soluto que há dissolvidas no líquido. Esses efeitos são coletivamente chamados de propriedades coligativas (do latim colligatus, que significa “unidos juntos”).
As quatro propriedades coligativas que veremos neste capítulo são:
Além disso, vamos abordar os efeitos que um soluto não volátil (por exemplo, sacarose, cloreto de sódio, outros sais) causa num solvente líquido. Solutos voláteis (ex.: etanol, acetona) tornam a análise um pouco mais complicada do que esse livro se propõe a explicar.
Um líquido puro tem uma pressão de vapor, que é a pressão que o vapor dele exerce quando está em equilíbrio com a fase líquida em um recipiente fechado, numa certa temperatura. Essa pressão de vapor está relacionada com a volatilidade do líquido e, também, com a temperatura de ebulição.
Ao dissolver um soluto num líquido, observa-se que a pressão de vapor dele diminui. Essa diminuição (ou abaixamento) da pressão de vapor costuma ser chamada de efeito tonoscópico.
Quando um soluto está dissolvido, interações entre as moléculas de solvente e as partículas do soluto tornam mais difícil a evaporação. Dessa forma, numa mesma temperatura, a pressão de vapor de um líquido puro é mais alta do que se ele tiver algo dissolvido.
A dissolução de um soluto diminui a pressão de vapor de um líquido, como visto na seção anterior. Por causa disso, fica mais “difícil” esse líquido ferver do que quando estava puro.
Por exemplo, a água pura ferve a 100°C ao nível do mar porque, nessa temperatura, a pressão de vapor da água é 1 atm (que é a pressão ao nível do mar). Se você dissolver, digamos, sal de cozinha na água, a pressão de vapor dela vai abaixar (em qualquer temperatura); dessa forma, a 100°C, a pressão de vapor da mistura agora é menor que 1 atm, e ela não ferve mais nessa temperatura (ao nível do mar), e só vai ferver quando a pressão de vapor voltar a ser 1 atm, que só vai acontecer numa temperatura maior que 100°C.
Por isso, a dissolução de um soluto num líquido causa o aumento (ou elevação) da temperatura de ebulição dele: como a pressão de vapor diminui num geral, a temperatura necessária para que ela se iguale à pressão externa deverá ser maior. Esse efeito é chamado de efeito ebulioscópico.
Por isso que, quando você coloca sal numa panela com água fervente, ela para de ferver num breve instante; eventualmente, o fogo a aquece até ela chegar na nova temperatura de ebulição, que é mais alta do que a da água sem sal. Numa ação cotidiana como essa, a quantidade de sal é pequena o suficiente que não chega a aumentar o ponto de ebulição da água nem em um grau Celsius — mas o efeito ebulioscópico é notado pela breve interrupção da fervura.
Outro efeito causado pela presença de um soluto num líquido é que a mistura passa a solidificar (congelar) numa temperatura mais baixa do que a temperatura de fusão do líquido puro.
É possível observar isso quando se põe sal num balde de gelo usado para gelar latinhas e garrafas de bebida: ao colocar sal, o gelo derrete mais rápido, porque a temperatura em que ele derrete (0°C ao nível do mar) diminui. Digamos que o gelo esteja a 0°C e que o sal faça a temperatura de fusão cair para −2°C; nesse momento, o gelo começará a derreter porque ele está mais quente que a (nova) temperatura de fusão.
Essa dimiuição (ou abaixamento) da temperatura de solidificação de um líquido, causada pela presença de um soluto, é chamada de efeito crioscópico.
As propriedades coligativas de uma solução estão associadas à quantidade de soluto dissolvida no solvente. Por causa disso, surgiu a necessidade de usar medidas relativas às quantidades de soluto e de solvente — além das outras medidas típicas, que se referem à quantidade total de solução.
A fração em quantidade de matéria, fração molar ou fração em mol (x) é uma medida relativa de quantos mols de soluto (ou de solvente) há numa solução. A ideia é similar à do título em massa e em volume, só que em mols; a diferença é que, tecnicamente, não tem como dizer “mols de solução”, já que ela não é uma substância única. Assim, podemos definir a fração molar da seguinte forma:
Ambas as frações são números sem unidade, entre 0 e 1. Numa solução com um soluto, xsoluto + xsolvente = 1.
ExemploUma solução foi feita misturando 0,32 mol de etanol com 8,33 mol de água. Calcule as frações em mol dos dois componentes.
ResoluçãoComo netanol = 0,32 mol e nágua = 8,33 mol, temos:
Note que as frações em mol não têm unidade, e a soma delas dá 1. Inclusive, por isso, podem ser interpretadas como porcentagens: nessa mistura, 3,7% de mols é de etanol e 96,3% de mols é de água.
A molalidade (b)símbolo-molalidade, com “l” mesmo, é uma medida relativa que mostra a quantidade de mols de soluto presente numa certa massa de solvente — e não de solução:
A unidade típica de molalidade é mol/kg. Por exemplo, se 1 mol de NaCl for dissolvido em 1 kg de água, a molalidade dessa solução será 1 mol/kg.molal
O nome molalidade foi baseado no nome “molaridade”, um nome antigo (mas ainda comum) para a concentração em mol/L.
A molalidade é útil para o estudo de algumas propriedades coligativas porque ela não é influenciada por variações de temperatura. Concentrações em g/L e mol/L tecnicamente são afetadas pela temperatura porque o volume da solução também é afetado por ela; já a massa de solvente não muda se a temperatura da solução mudar, por isso a molalidade é preferida.
Ideias centraisA pressão de um vapor de um líquido numa mistura é proporcional à fração molar dele. O abaixamento do ponto de fusão e a elevação do ponto de ebulição de um líquido numa mistura são proporcionais à molalidade do soluto.
É possível quantificar os efeitos tonoscópico, ebulioscópico e crioscópico, usando a fração molar e a molalidade.
A pressão de vapor de um líquido puro numa mistura é proporcional à fração molar desse líquido:
Essa relação é chamada de lei de Raoult, e foi proposta em 1887 pelo químico francês François-Marie Raoult.asterisco
ExemploUma mistura foi feita com 180 g de água (M = 18 g/mol) e 9,00 g de glicose (M = 180 g/mol). A pressão de vapor da água a 25°C é 23,76 mmHg. Calcule a pressão de vapor da água nessa mistura a 25°C.
ResoluçãoPrimeiro calculamos quantos mols há de cada substância:
Sabendo disso, calculamos a fração molar de água na mistura:
E, por fim, determinamos a nova pressão de vapor da água, usando a lei de Raoult:
Perceba que a pressão de vapor é só ligeiramente menor que a da água pura (porque a fração molar da água é bem próxima de 1).
A lei de Raoult, do jeito que foi apresentada acima, depende da fração molar do solvente. Se quisermos partir da perspectiva do soluto, é possível reescrevê-la. Para uma mistura de um soluto com um solvente, as frações molares somam 1:
Substituindo isso na lei de Raoult vista anteriormente, temos:
O aumento da temperatura de ebulição (
As constantes Ke (constante ebulioscópica) e Kf (constante crioscópica)símbolo-Kf são específicas do solvente, e podem ser determinadas experimentalmente ou calculadas a partir de parâmetros específicos.
ExemploA água pura ferve a 100°C (373 K) e congela a 0°C (273 K) ao nível do mar. Calcule o ponto de fusão e de ebulição de uma mistura de 100 g de água com 8,55 g de açúcar comum (sacarose, M = 342 g/mol). A constante ebulioscópica da água é 0,51 K · kg/mol e a constante crioscópica é 1,86 K · kg/mol.
ResoluçãoPrimeiro vamos calcular a molalidade dessa solução de água com açúcar. Para isso, temos que saber quantos mols de açúcar estão dissolvidos. Sabemos que maçúcar = 8,55 g e Maçúcar = 342 g/mol, portanto:
Como 0,025 mol de açúcar foram dissolvidos em 100 g de água, a molalidade é:
Sabendo a molalidade, podemos calcular as mudanças de temperatura:
Assim, sabemos que o ponto de ebulição aumenta 0,13 K em relação ao da água pura e o ponto de fusão diminui 0,47 K. Dessa forma, os pontos de ebulição e de fusão da mistura são:
Perceba que a variação das temperaturas é bem baixa, já que a molalidade não é tão alta assim.
Se você temperar uma salada, com sal, vinagre e outros condimentos a gosto, e demorar pra comer, ela terá murchado. Isso é culpa de um processo espontâneo que faz as células vegetais perderem água através das membranas celulares.
Mas antes de falar desse processo específico, é bom ter em mente outro fenômeno. Se você colocar açúcar num copo com água, e não agitar, ele não vai se dissolver imediatamente. Agora, se essa mistura ficar parada por bastante tempo, o açúcar vai se dissolvendo lentamente, porque as moléculas dele se mexem e gradualmente vão se espalhar no líquido (já que o açúcar é solúvel em água). Esse processo de “espalhamento” gradual é chamado de difusão e, quanto mais tempo passar, mais homogênea vai ficar a mistura.
Voltemos à salada. As membranas plasmáticas das células na salada permitem a passagem de moléculas de água, que são pequenas, mas não deixam passar íons e moléculas maiores, como as partículas do sal e do vinagre. Dizemos que a membrana plasmática, presente em todas as células conhecidas, é uma membrana semipermeável, já que só permite a passagem de solvente (água), e não de solutos com partículas maiores.
Quando temperamos a salada, deixamos o meio extracelular (ou seja, fora das células) mais concentrado. Essa diferença de concentração com o meio intracelular (dentro das células) causa um movimento espontâneo de água de dentro para fora das células, através da membrana plasmática. Osmose é o nome desse movimento espontâneo apenas de solvente, indo de uma solução concentrada para uma solução menos concentrada.
Mesmo sendo um movimento apenas do solvente, a osmose acontece com a mesma “finalidade” que a difusão: chegar num estado em que a concentração de soluto é a mesma dos dois lados da membrana. No caso da salada, a água sai das células para tentar deixar o lado de fora com a mesma concentração que o lado de dentro, o que faz as células murcharem.
É possível que a água entre nas células também. Hemácias (os glóbulos vermelhos do sangue) são células com um formato de disco achatado. Se elas forem colocadas em um meio menos concentrado do que o meio intracelular, como por exemplo, água destilada, a osmose vai acontecer “empurrando” água pra dentro da célula, e deixando a hemácia “inchada” (e potencialmente pode romper a hemácia).
falta coisa aqui: continuar
Para impedir a osmose, é possível aplicar uma pressão externa do lado para onde o solvente vai. A pressão mínima para impedir a osmose é chamada de pressão osmótica (Π) e depende da concentração do soluto:pi
Π = cRT
Essa relação foi verificada pelo químico neerlandês Jacobus Henricus van ’t Hoffvan-t-hoff, e é chamada de equação de van ’t Hoff; note que essa equação é curiosamente similar à lei dos gases ideais (
ExemploCalcule a pressão osmótica, em atmosferas, de uma solução de 0,500 mol/L de glicose a 25°C.
ResoluçãoTemos os seguintes dados: c = 0,500 mol/L,
A pressão osmótica é a pressão que deve ser aplicada sobre uma solução para impedir que ela “receba” solvente durante a osmose. Mas e se a pressão aplicada sobre a solução for maior que a pressão osmótica dela?
Aí teremos um caso de osmose reversa: um movimento forçado de solvente através de uma membrana semipermeável, que ocorre da solução mais concentrada para a menos concentrada, aumentando a diferença entre as concentrações com o passar do tempo.
A osmose reversa acaba sendo um jeito de “espremer” o solvente puro de uma solução concentrada. Por isso, ela é usada em algumas instalações de purificação e tratamento de água. Por exemplo, a osmose reversa pode ser usada para obter água pura a partir da água do mar: ao aplicar uma pressão maior que a osmótica sobre a água salgada, é possível tirar apenas a água dela.
Um problema prático de se usar osmose reversa é que, quanto mais ela acontece, mais concentrada fica a solução original e maior fica a pressão osmótica dela, o que requer membranas semipermeáveis cada vez mais resistentes a pressão.
Até agora, vimos as propriedades coligativas e, nos exemplos, usei apenas solutos moleculares, que não se ionizam no solvente. Mas as propriedades coligativas dependem da quantidade de partículas do soluto, independentemente de quem é o soluto. Uma solução aquosa de sacarose com molalidade 0,05 mol/kg tem um ponto de fusão 0,093°C mais baixo do que o da água pura; portanto, poderíamos esperar que uma solução 0,05 mol/kg de cloreto de sódio teria o mesmo abaixamento, mas não: o ponto de fusão é 0,177°C mais baixo, um valor que é quase o dobro.
Isso é um sinal de que há mais partículas de soluto numa solução 0,05 mol/kg de NaCl do que numa solução de sacarose com a mesma molalidade.
Se eu dissolver 1 mol de glicose em água, eu terei uma solução com 1 mol de moléculas de glicose; mas se eu dissolver 1 mol de cloreto de sódio, eu vou ter mais que 1 mol de partículas de soluto, já que o NaCl se dissocia em água. Dessa forma, os efeitos coligativos numa solução aquosa com 1 mol de glicose são diferentes dos efeitos de uma solução aquosa com 1 mol de NaCl (que serão mais pronunciados que os da solução de glicose).
Por isso, para solutos que se dissociam ou ionizam no solvente analisado, é necessário levar em consideração o aumento no número de partículas dissolvidas, e isso é feito com o fator de van ’t Hoff (i):
Por exemplo, o cloreto de sódio, NaCl, se dissocia ao ser dissolvido em água. Em soluções bastante diluídas, podemos considerar que essa dissociação foi 100% completa, e todos os íons Na+ e Cl− estão separados na solução. Assim, cada par NaCl deu origem a dois íons, portanto, 1 mol de NaCl deu origem a 2 mols de íons; conclui-se que o fator i para o NaCl (num caso de dissociação total) é
O fator de van ’t Hoff deve ser incluído nos cálculos de propriedades coligativas de soluções eletrolíticas:tonoscopia-vant-hoff
ExemploCalcule o ponto de fusão e de ebulição de uma mistura de 100 g de água com 1,46 g de cloreto de sódio (M = 58,5 g/mol). Considere que o cloreto de sódio se dissocia completamente na solução. Use estes dados sobre a água: temperatura de ebulição = 100°C (373 K), temperatura de fusão = 0°C (273 K), constante ebulioscópica = 0,51 K · kg/mol, constante crioscópica = 1,86 K · kg/mol.
ResoluçãoPrimeiro vamos calcular a molalidade da solução, partindo da quantidade de NaCl em mols. Sabemos que mNaCl = 1,46 g e MNaCl = 58,5 g/mol, portanto:
Como 0,025 mol de NaCl foram dissolvidos em 100 g de água, a molalidade é:
A dissociação do NaCl é completa, portanto 1 mol de NaCl formam 2 mols de íons em solução (NaCl → Na+ + Cl−). Assim, o fator de van ’t Hoff é 2.
Sabendo a molalidade, podemos calcular as mudanças de temperatura:
Assim, sabemos que o ponto de ebulição aumenta 0,26 K em relação ao da água pura e o ponto de fusão diminui 0,93 K. Dessa forma, os pontos de ebulição e de fusão da mistura são:
Para fins de comparação, calculamos, em um exemplo anterior, os mesmos efeitos para uma solução de sacarose, com a mesma molalidade. Os efeitos dessa solução de NaCl foram maiores devido ao fator de van ’t Hoff (por causa da dissociação do NaCl).