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Química com (um pouquinho de) contexto Unidade A ▪ Como são as coisas
Atualizado em 2 jul. 2025
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Subs­tân­cias e misturas

Seções 3.1Propriedades dos materiais3.2Substâncias químicas3.3Misturas
Lago congelado, visto de cima
FIGURA 3.1Imagem aérea de um lago parcialmente congelado, na Islândia Matt Palmer / Unsplash

Olhe ao seu redor: existem inúmeras coisas, que são feitas de inúmeros materiais. Como você descreveria essas coisas, esses materiais? Que palavras você usaria? Quais são as propriedades desses materiais?

A Figura 3.1 mostra um lago parcialmente congelado, em que estão presentes duas formas diferentes do mesmo material: gelo e água. Como você descreveria esses materiais? Quais as semelhanças entre eles? Quais as diferenças?

O gelo flutua sobre a água, e isso é especialmente importante para a vida aquática em ambientes frios. Qual característica do gelo tem a ver com essa flutuação?

Na parte desse lago que não é o gelo, será que existe mais algum material além da água? Se sim, onde ele está?

O que tem neste capítulo

3.1Propriedades dos materiais

Ideia centralUm material pode ser descrito por diferentes propriedades, como a temperatura de fusão, a temperatura de ebulição e a densidade.

Os materiais que nós conhecemos têm características diferentes: o álcool etílico é um líquido incolor, inflamável e com cheiro característico, um pedaço de chumbo é um sólido denso e acinzentado, o oxigênio é um gás invisível, enfim. Essas propriedades dos materiais podem ser classificadas de várias formas, como por exemplo:

Algumas dessas propriedades são intuitivas, mas outras precisam ser definidas de maneira mais específica. Vamos ver algumas dessas.

Temperatura de fusão e temperatura de ebulição

A fusão e a ebulição são mudanças de estado bastante importantes para caracterizar materiais. As temperaturas em que esses processos ocorrem são bastante úteis para identificar a constituição de uma amostra de matéria. Temperatura de fusão (TF) ou ponto de fusão (PF) é a temperatura em que um material passa do estado sólido para o estado líquido e temperatura de ebulição (TE) ou ponto de ebulição (PE) é a temperatura em que um material passa do estado líquido para o estado gasoso através da ebulição4. A Tabela 3.1 reúne vários valores de temperaturas de fusão e de ebulição de diversos materiais.

TABELA 3.1Temperaturas de fusão e de ebulição de alguns materiais (sob 1 atm de pressão), e seus estados físicos nas condições ambientes (1 atm e 25°C)
Material Temperatura de fusão (°C) Temperatura de ebulição (°C) Estado físico nas condições ambientes
acetona −94,7 56,1 líquido
água 0,0 100,0 líquido
alumínio 660,3 2519 sólido
amônia −77,7 −33,3 gasoso
cloreto de sódio 800,7 1465 sólido
etanol −114,1 78,3 líquido
ferro 1538 2861 sólido
nitrogênio −210,0 −195,8 gasoso
oxigênio −218,8 −183,0 gasoso

Fonte: CRC Handbook of Chemistry and Physics. 89. ed. Boca Raton: CRC Press/Taylor and Francis, 2009.

De maneira geral, a TF também é a temperatura em que um material se solidifica e a TE também é a temperatura em que um material se condensa/liquefaz.5

A temperatura de ebulição é consideravelmente afetada pela pressão atmosférica do local. De maneira geral, quanto menor a pressão atmosférica, um líquido ferve numa temperatura mais baixa.

Volatilidade

Um aspecto importante associado à temperatura de ebulição é a volatilidade de um material. A volatilidade de um líquido é a sua facilidade em evaporar.

Considere por exemplo, os líquidos da Tabela 3.1. Da experiência cotidiana, provavelmente você já deve ter notado que um “rastro” de acetona ou de etanol (álcool comum) numa superfície acaba secando mais rápido do que se fosse um “rastro” de água (considerando quantidades iguais dos líquidos).

A volatilidade está relacionada com a temperatura de ebulição: quanto menor a temperatura de ebulição, mais volátil é o líquido (ou seja, evapora com mais facilidade).6

Solubilidade

Quando juntamos dois materiais diferentes, por exemplo água e sal de cozinha ou água e óleo, é possível que a junção desses materiais resulte num material com aspecto visual único, uniforme.

Dizemos que um material é solúvel em outro se eles se misturam de maneira uniforme, e que um se dissolve no outro. Por exemplo: o sal é considerado um material solúvel em água, já o óleo é um líquido insolúvel na água (não se dissolve nela).

A solubilidade é uma propriedade que está associada com a composição do material, e pode ser medida.41

Densidade

A densidade (d) é uma razão (ou seja, uma divisão) entre a massa e o volume de um material ou objeto36. Matematicamente,

\[d = \dfrac{m}{V}\]

Já que a densidade é massa dividida por volume7, a unidade da densidade é uma unidade de massa dividida por uma unidade de volume, como grama por centímetro cúbico (g/cm3) ou grama por mililitro (g/mL).

A Tabela 3.2 mostra as densidades de alguns materiais.

TABELA 3.2Densidades de alguns materiais nas condições ambientes (1 atm e 25°C)
Material Densidade (g/cm3)
acetona 0,79
água 1,00
alumínio 2,70
amônia 0,00070
cloreto de sódio 2,17
etanol 0,78
ferro 7,87
nitrogênio 0,00115
oxigênio 0,00131

Fonte: CRC Handbook of Chemistry and Physics. 89. ed. Boca Raton: CRC Press/Taylor and Francis, 2009.

Dá pra interpretar a densidade como uma medida da “compactação” daquele objeto ou material. Por exemplo, pense num cubo maciço de 10 cm por 10 cm por 10 cm (afinal é um cubo, todos os lados têm o mesmo tamanho): o seu volume será V = (10 cm)3 = 1000 cm3.

Se esse cubo for constituído apenas por alumínio (que tem uma densidade de 2,70 g/cm3), podemos calcular sua massa e verificar que ele vai pesar:

\[d = \dfrac{m}{V} \Rightarrow m = d \cdot V = (\pu{2,70 g/cm3}) \cdot (\pu{1000 cm3}) = \pu{2700 g} = \pu{2,70 kg}\]

Se ele for constituído apenas por ferro (que tem uma densidade de 7,87 g/cm3), ele vai pesar:

\[d = \dfrac{m}{V} \Rightarrow m = d \cdot V = (\pu{7,87 g/cm3}) \cdot (\pu{1000 cm3}) = \pu{7870 g} = \pu{7,87 kg}\]

Logo, como há mais massa de ferro num mesmo volume, a gente pode pensar que é um material mais “compacto”, mais “pesado”. (Figura 3.2)

Ilustrações de cubos metálicos. A: Ambos têm 10 cm de lado, 1000 cm³; o de alumínio tem 2,70 kg e o de ferro tem 7,87 kg. B: Ambos têm 1000 g; o de alumínio tem 370,4 cm³ (7,18 cm de lado) e o de ferro tem 127,1 cm³ (5,03 cm de lado).
FIGURA 3.2Comparação entre cubos de alumínio e de ferro com volumes iguais (A) e massas iguais (B)

Agora, se considerarmos duas amostras desses mesmos materiais com a mesma massa, poderemos ver outro comportamento quanto ao volume. Considere, por exemplo, uma amostra maciça de alumínio com massa de um quilograma. Seu volume será:

\[d = \dfrac{m}{V} \Rightarrow V = \dfrac{m}{d} = \dfrac{\pu{1000 g}}{\pu{2,70 g/cm3}} \approx \pu{370,4 cm3}\]

No caso de uma amostra maciça de 1 kg de ferro, o volume será:

\[d = \dfrac{m}{V} \Rightarrow V = \dfrac{m}{d} = \dfrac{\pu{1000 g}}{\pu{7,87 g/cm3}} \approx \pu{127,1 cm3}\]

Ou seja, para massas iguais de materiais diferentes, aquele que for mais denso ocupará um menor volume.

Densidade e flutuação

A densidade tem um papel importante em determinar se um material ou objeto vai afundar ou flutuar num líquido ou gás.

Vamos usar como exemplo a água, que tem densidade 1 g/cm3. Corpos com densidade maior que 1 g/cm3 afundam na água, corpos com densidade menor que 1 g/cm3 flutuam na água.

Se o objeto for homogêneo, ou seja, for formado por apenas um material, ao compararmos sua densidade com a densidade da água, poderemos saber se ele afunda ou flutua nela. Se um objeto não for homogêneo (for constituído por mais de um material ou tiver partes ocas), isso vai influenciar sua densidade total e pode influenciar no seu comportamento quando colocado na água. Um pedaço maciço de ferro afunda na água, mas um objeto oco de ferro não necessariamente vai afundar.

O mesmo raciocínio se aplica a outros líquidos e também a gases, obviamente mudando a referência de 1 g/cm3 para a densidade do meio em questão. Por exemplo: uma bexiga contendo gás hélio sobe espontaneamente no ar porque o hélio tem densidade menor que o ar. (Figura 3.3)

Balões coloridos flutuando no céu
FIGURA 3.3 Balões com gás hélio flutuam no ar porque a densidade do hélio é menor que a densidade média do ar Hilke Fromm / Pixabay

Por que a densidade influencia no comportamento de flutuar ou afundar? De maneira resumida, fluidos (ou seja, líquidos ou gases) exercem uma pressão em tudo que está “imerso” neles, em todas as direções; essa pressão depende da densidade do fluido. O corpo imerso tem um peso, que é uma força que aponta para baixo, e a pressão exercida pelo fluido gera uma força resultante pra cima, chamada empuxo; é como se o fluido sempre tentasse impedir o corpo de afundar nele, empurrando-o pra cima. O peso depende da densidade do objeto, o empuxo depende da densidade do fluido. Quando a densidade do objeto é maior que a densidade do fluido, o peso do objeto é maior que o empuxo do líquido, então o corpo afunda. Quando a densidade do objeto é menor que a densidade do fluido, o peso do objeto é menor que o empuxo do líquido, então o corpo flutua.

Densímetro

Para determinar a densidade de líquidos, é possível usar um dispositivo chamado densímetro. Um densímetro é um tubo reto (geralmente de vidro) com um bulbo numa ponta que contém um “peso”, chamado de lastro, geralmente de chumbo ou de mercúrio; ao ser colocado no líquido, o conjunto permanece na vertical e afunda parcialmente, de acordo com a densidade do líquido. Se essa densidade for baixa, o densímetro afunda com mais facilidade, ficando bastante submerso; se a densidade do líquido for alta, o densímetro não afunda muito, ficando com a maior parte fora do líquido. No tubo, há uma escala que, ao ser comparada com o nível do líquido, fornece a leitura da medida; os valores máximos e mínimos que podem ser medidos dependem principalmente do lastro.

Densímetros são necessários em processos industriais onde a composição de um líquido deve ser bem regulada, já que ela reflete na sua densidade; uma densidade fora dos valores esperados é um forte indício de irregularidade ou adulteração. Há vários tipos de densímetros, apropriados para situações específicas, como o alcoômetro (para soluções alcoólicas), o sacarômetro (para soluções de açúcar, como o da Figura 3.4), e o termolactodensímetro (para o leite).

Sacarômetro flutuando num líquido incolor
FIGURA 3.4 Sacarômetro medindo a densidade de uma solução de açúcar Hankwang / Wikimedia Commons

Fontes consultadas: LABURÚ, C. E.; DOMINGOS JÚNIOR, J. B.; FERREIRA, N. C. Densímetro de baixo custo. Física na Escola, v. 3, n. 1, p. 15, 16, 2002. / OLIVEIRA, B. DE M.; MELO FILHO, J. M.; AFONSO, J. C. A densidade e a evolução do densímetro. Revista Brasileira de Ensino de Física, v. 35, n. 1, mar. 2013.

3.2Substâncias químicas

Ideia centralUma substância química é uma amostra de material com composição definida e propriedades constantes.

Vamos considerar as informações abaixo:

Água

Estado físico e aspecto à temperatura ambiente (25°C): líquido incolor e transparente
Temperatura de fusão (a 1 atm): 0°C
Temperatura de ebulição (a 1 atm): 100°C
Densidade (a 4°C): 1 g/cm3
Fórmula molecular:10 H2O

Copo d’água
FIGURA 3.5 Copo com água Derek Jensen / Wikimedia Commons
Cloreto de sódio

Estado físico e aspecto à temperatura ambiente (25°C): sólido branco
Temperatura de fusão (a 1 atm): 800,7°C
Temperatura de ebulição (a 1 atm): 1465°C
Densidade (a 4°C): 2,17 g/cm3
Fórmula unitária: NaCl

Colher de sopa com sal
FIGURA 3.6 Um punhado de cloreto de sódio numa colher Chemicalinterest / Wikimedia Commons

Uma porção de matéria que tenha TF = 0°C, TE = 100°C, densidade 1 g/cm3, e seja um líquido incolor tem grande chance de ser constituída apenas por água. Se um sólido for branco, mas não derreter ali por 800°C, ele provavelmente não deve ser cloreto de sódio.

Cada conjunto de propriedades12 acima está atrelado a uma substância química: uma porção de matéria que tem constituição química constante e propriedades características.

Claro que seria ingênuo achar que uma amostra de substância seja completamente pura na vida real. Sempre haverá impurezas que, dependendo da quantidade, alteram bem pouco ou bastante essas propriedades. De maneira geral, quanto menos impurezas houver em uma substância, mais “constantes” tendem a ser suas propriedades.

Por exemplo: pontos de fusão e de ebulição. Para substâncias puras, esses processos acontecem em temperatura constante. Enquanto um pedaço de gelo derrete, a temperatura dele não aumenta; a mesma coisa com a água fervendo.

Só que essas quantidades dependem da pureza da substância. Quando se produz uma substância sólida em laboratório, por exemplo, pode-se testar o ponto de fusão dela usando equipamentos específicos, como o da Figura 3.713: um pequeno cristal do sólido é colocado num fino tubo de vidro, que é aquecido controladamente (junto com um termômetro) e observado com algum tipo de lente de aumento; anota-se a temperatura em que o cristal começa a derreter, e a temperatura em que ele acaba de derreter. Dificilmente esses valores serão iguais; não se obtém um ponto de fusão único, mas sim uma faixa de fusão. Essa faixa de fusão ajuda a dar uma ideia da pureza desse material que foi sintetizado.

Aparato de Fisher–Johns sobre uma bancada de laboratório
FIGURA 3.7Aparato de Fisher–Johns para medição de pontos de fusão Iain George / Wikimedia Commons

3.3Misturas

Ideias centraisMisturas são sistemas com mais de uma substância. Podem ser homogêneas ou heterogêneas, de acordo com o aspecto visual. Diferentes processos físicos podem ser usados para separar as substâncias que compõem uma mistura, como a destilação ou a filtração.

Quando há uma junção física de duas ou mais substâncias temos uma mistura. De maneira geral, misturas não têm propriedades constantes. O exemplo mais clássico disso são os pontos de fusão e ebulição: durante esses processos, a temperatura da mistura não se mantém constante14, ao contrário do que acontece nas substâncias.

As misturas podem ser classificadas de algumas formas: as mais comuns são de acordo com sua uniformidade visual e com o tipo de dispersão dos materiais.

Misturas homogêneas e heterogêneas

Visualmente, uma mistura pode ser considerada homogênea ou heterogênea. Misturas homogêneas são uniformes visualmente, ou seja, qualquer “ponto” da mistura que você analisar é igual a outro; por exemplo: o álcool vendido em mercados e farmácias (Figura 3.815). Misturas heterogêneas não são uniformes, ou seja, é possível distinguir uma parte da mistura de alguma outra parte; por exemplo: um pedaço de granito (Figura 3.916).

Garrafa de álcool 70%
FIGURA 3.8O álcool 70%, usado como desinfetante, é uma mistura constituída por etanol e água Gui C de Souza
Amostra de granito, um material rosado com várias manchas claras e escuras
FIGURA 3.9Amostra de granito, uma rocha constituída por vários minerais, principalmente quartzo, feldspato e mica Michael C. Rygel / Wikimedia Commons

A gente pode dizer também que misturas homogêneas têm uma fase, e misturas heterogêneas têm mais que uma fase. Fase, aqui, significa qualquer porção visualmente uniforme, mesmo que fragmentada (descontínua17); por exemplo, vários cubos de gelo num sistema representariam uma fase só.

Claro que a homogeneidade de uma mistura pode ser enganosa. A olho nu, o leite fresco, por exemplo, parece bem homogêneo. Só que se você pegar uma amostra de leite e observar num microscópio, é bem provável que você veja a realidade: pequenos glóbulos de gordura suspensos numa matéria líquida.

Outro caso que se encaixa nisso é o sangue. O sangue é formado por uma matéria líquida, o plasma sanguíneo (não é o mesmo plasma que falamos no Capítulo 1, e nesse líquido há várias células e fragmentos de células (hemácias, leucócitos, plaquetas, etc.). A olho nu, razoavelmente homogêneo. Ampliado, nem tanto assim. Isso fica mais notável quando se é necessário separar o plasma das células, que veremos mais adiante.

Então é aquilo: a identificação de uma mistura como homogênea ou heterogênea pode depender do nível de ampliação observado, e também do tipo de partícula na mistura.

Soluções, coloides e suspensões

Outro jeito de classificar misturas se baseia no tipo de partícula dispersa. Dispersão é qualquer mistura na qual um dos componentes (chamado de disperso) está espalhado no outro (o dispersante) na forma de pequenas partículas.

Uma dispersão é classificada de acordo com o tamanho da partícula dispersa:

Soluções são sempre misturas homogêneas (por exemplo, água salgada, álcool comercial, ou até mesmo o ar21). Suspensões são heterogêneas (por exemplo, uma água barrenta). Coloides ficam ali pelo meio termo (por exemplo, o leite) (Figura 3.10).

Três imagens. A: Bolsa de soro fisiológico. B: Copo com leite. C: Copo com mistura de água e farinha de trigo.
FIGURA 3.10O soro fisiológico (A) é uma solução. O leite (B) é um coloide. Uma mistura de água com farinha de trigo (C) é uma suspensão A: Itayba / Wikimedia Commons, B: Andy Bjornovich / Wikimedia Commons, C: Chris 73 / Wikimedia Commons

Processos de separação de misturas

Um dos pontos chave de uma mistura é que geralmente é possível separar seus constituintes através de processos físicos. Isso vale tanto pra misturas homogêneas quanto pra misturas heterogêneas. Vários processos industriais importantes dependem dessas operações de separação.

Por exemplo, de onde vem a gasolina dos carros? De onde vem o nitrogênio líquido, aquele líquido superfrio que todo mundo usa em programas de TV pra congelar coisas instantaneamente e fazer fumaça no chão? E o oxigênio puro necessário pra procedimentos médicos?

Decantação e centrifugação

A decantação é útil pra misturas heterogêneas sólido/líquido ou líquido/líquido. Consiste em deixar a gravidade agir23, separando os componentes por diferença de densidade e transferindo a camada superior para outro frasco, seja vertendo (virando) o recipiente original, ou usando uma mangueira pra escoar a fase superior pra outro recipiente, processo esse chamado de sifonação (mais ou menos como tirar gasolina do tanque do carro).

Caso a separação seja muito lenta (em casos sólido/líquido), é possível utilizar uma centrífuga de laboratório. O princípio é o mesmo de uma centrífuga de roupa: nela, o giro rápido joga as roupas contra as paredes internas24, eliminando a água. Na centrífuga de laboratório (Figura 3.11), tubos de ensaio são colocados numa espécie de carrossel. Quando esse carrossel gira, o conteúdo dos tubos é forçado “pra fora”, e os sólidos são jogados pro fundo do tubo. Isso é feito, por exemplo, pra separar o plasma sanguíneo das células.

Uma mão colocando um tubo de ensaio no carrossel de uma centrífuga de laboratório em cima de uma bancada
FIGURA 3.11Centrífuga de laboratório The U.S. Food and Drug Administration / Domínio público

No caso de uma mistura líquido/líquido, pode-se usar um aparato chamado de funil de decantação (Figura 3.1226). Pela entrada superior é colocada a mistura, que será escoada por meio do tubo inferior, controlado pela torneira. A fase mais densa escoa primeiro e é coletada num frasco, até que a interface (separação) entre os líquidos chegue na torneira. Nesse momento, troca-se de frasco, e se coleta a fase menos densa num outro recipiente.

Um funil de decantação com dois líquidos dentro, um amarelo por cima de um verde
FIGURA 3.12Funil de decantação PRHaney / Wikimedia Commons

Filtração

É um dos mais comuns em situações cotidianas: fazer café, limpar a casa com aspirador de pó… o princípio é o mesmo. Filtração é qualquer processo que retire o sólido não dissolvido de uma mistura por meio de um filtro que deixa os líquidos ou gases passarem (Figura 3.1327). O que vai definir o que vai passar é o tamanho do poro do filtro (equivale aos “buraquinhos” de uma peneira).

Líquido sendo despejado num funil de vidro com papel filtro, sendo escoado num frasco de vidro
FIGURA 3.13Aparato para filtração comum. O funil de vidro contém um papel de filtro dobrado em formato de cone, que vai reter o sólido insolúvel, e deixar passar o líquido (chamado de “filtrado”) Suman6395 / Wikimedia Commons

Algumas misturas líquido/sólido têm um problema relevante: o sólido não separa muito bem do líquido e a filtração pode levar um bom tempo. Aí entra em cena a filtração a vácuo (Figura 3.1428): é usado algum tipo de dispositivo pra fazer um vácuo parcial, “puxando” o ar, e assim acelerando o processo; esse dispositivo pode ser uma bomba de vácuo ou uma trompa de vácuo. A trompa funciona por causa da passagem rápida da água por dentro do tubo, fazendo vácuo30, que leva embora um pouco do ar interno do kitasato.

Funil de porcelana com um papel filtro circular, encaixado num frasco de vidro
FIGURA 3.14Aparato para filtração a vácuo. A peça branca é um funil de Büchner, com um pedaço redondo de papel filtro tapando vários furinhos na base. O líquido que passa pelo filtro, chamado de filtrado, é coletado num frasco de vidro chamado kitasato, cuja saída lateral está conectada a uma mangueira que leva para algum dispositivo que tira o ar interno Suman6395 / Wikimedia Commons

Evaporação e destilação

A evaporação consiste em deixar uma mistura homogênea sólido/líquido exposta até todo o líquido evaporar. Salinas (Figura 3.1531) funcionam assim: a água do mar fica lá evaporando, deixando como resíduo o sal marinho.

Montes de sal
FIGURA 3.15Salina Diamante Branco, localizada em Galinhos/RN Gresasc / Wikimedia Commons

Se for necessário recuperar o líquido, aí a evaporação não funciona. Nesses casos se faz uma destilação (Figura 3.1632), onde a mistura líquida é aquecida num sistema fechado, onde o vapor criado passa por um dispositivo constantemente resfriado, chamado de condensador. O vapor então condensa (uau), e é recolhido em outro frasco.

Aparato de destilação simples
FIGURA 3.16Aparato de destilação simples. A mistura no balão de vidro (A) é aquecida pela manta térmica (B) e forma vapor, que é levado ao condensador (C). O condensador é constantemente resfriado por água que passa pelas mangueiras (de D para E), o que faz o vapor vindo do balão virar líquido e ser recolhido no recipiente dentro do béquer (F) Hic et nunc / Wikimedia Commons, derivado de Arlen / Flickr

Se for uma mistura homogênea de líquidos, é mais recomendado fazer uma destilação fracionada, especialmente se eles ferverem em temperaturas próximas. É possível que quando um líquido ferva ele leve parte do outro na forma de vapor, então a ideia aqui é deixar a “subida” mais difícil pra que só o líquido certo ferva na hora certa. Essa “subida” é dificultada com uma coluna de fracionamento: um tubo contendo bolinhas de vidro ou ranhuras nas paredes, que servem como obstáculos pro vapor (Figura 3.1740).

Uma coluna de vidro com ranhuras internas
FIGURA 3.17Coluna de fracionamento num sistema de destilação fracionada Lazar.zenit / Wikimedia Commons

Industrialmente, a destilação fracionada é feita em grandes torres de destilação. A mistura entra por baixo, é aquecida e seus vapores vão subindo até o alto da torre. À medida que eles vão subindo, eles vão resfriando e eventualmente condensando em diferentes alturas da torre. Os componentes (ou, mais corretamente, as frações) com maiores pontos de ebulição condensam mais embaixo, e os com menores PEs conseguem subir mais e condensar lá no topo. Esse processo é utilizado principalmente pra separar os componentes do petróleo em refinarias (como a da Figura 3.1833) e os componentes do ar.

Torres metálicas da refinaria de propeno
FIGURA 3.18Unidade de propeno da Refinaria de Paulínia (Replan), pertencente à Petrobras, localizada em Paulínia/SP Maurício Kanno / Wikimedia Commons

Dissolução fracionada e extração

Nesses processos a ideia é retirar um componente de uma mistura usando um líquido que se misture com ele melhor do que os outros componentes da mistura. Geralmente a expressão dissolução fracionada se aplica a misturas de sólidos: adiciona-se um líquido que dissolva um deles, e depois se separa esse líquido com o componente específico (por decantação, filtração, etc.) e se evapora/destila o líquido.

A extração geralmente é usada pra materiais já dissolvidos num certo solvente, mas que se dissolvem bem melhor em outro. É comumente usada em laboratório depois de um processo de síntese; às vezes é melhor extrair o produto desejado pra um solvente mais fácil de evaporar, por exemplo, pra facilitar o isolamento do material.

Outros processos

Eu poderia dar detalhes de muitos outros processos que são citados classicamente em livros de Química, mas eles geralmente têm aplicações muito específicas. Resolvi resumir alguns aqui só por desencargo de consciência.

Nitrogênio líquido

O nitrogênio é o gás mais presente na atmosfera da Terra (em cada 100 litros de ar há em torno de 78 L de nitrogênio), e tem um ponto de ebulição de −195,8°C (sob pressão de 1 atm). Ou seja, quando resfriado em temperaturas menores que essa, ele é transformado em um líquido (Figura 3.1935). Um líquido muito frio, que frequentemente é usado na preservação e armazenamento de materiais biológicos sensíveis à temperatura, como sangue e sêmen.

Tubo despejando nitrogênio líquido
FIGURA 3.19Nitrogênio líquido sendo despejado em algum lugar Robin Müller / Wikimedia Commons

Por ser extremamente frio, causa um congelamento instantâneo de materiais que entram em contato com ele. Isso é útil, por exemplo, para conservar alimentos, e até mesmo preparar alguns, como sorvete. Não é necessariamente o método mais usado, mas é perfeitamente possível: juntando nitrogênio líquido à mistura líquida usada na fabricação do sorvete (leite com chocolate, essências, frutas, enfim), há um rápido resfriamento que dá origem a um sorvete quase instantâneo.

O nitrogênio líquido é o queridinho dos programas de TV no quesito “experimentos científicos legais de assistir”. Isso porque, quando ele esquenta e volta a ser gás, cria-se uma névoa branca visualmente interessante. Essa névoa não é o gás nitrogênio (afinal ele é invisível), mas sim água presente no ar, que estava na forma de vapor e resfriou o suficiente pra formar minúsculas gotículas. Se essa vaporização acontecer bem rápido, por exemplo, colocando o nitrogênio líquido em contato com água fervente, forma-se rapidamente uma gigantesca nuvem branca, com um bom estrondo sonoro devido à rápida expansão do gás.

Outro efeito bem interessante explorado em demonstrações (não só exibido pelo nitrogênio líquido, vale dizer) é o efeito Leidenfrost: quando o nitrogênio líquido vaporiza em contato com uma superfície mais quente (geralmente o chão dos estúdios de TV), ele se espalha com facilidade na forma de gotículas, enquanto vira gás. Isso ocorre porque, em contato com a superfície, imediatamente se cria uma espécie de “capa” de nitrogênio gasoso em volta do líquido, brevemente isolando-o termicamente, permitindo que ele se mantenha líquido por um tempo.

Fontes consultadas: HELMENSTINE, A. M. Liquid Nitrogen Facts. Acesso em: 18 jan. 2021. / THE ROYAL INSTITUTION. Liquid Nitrogen and the Leidenfrost Effect, 12 set. 2018. Acesso em: 3 jan. 2021.

Resumo

3.1Propriedades dos materiais

3.2Substâncias químicas

3.3Misturas