27 jan 2025
No começo de 2025, faleceu o diretor David Lynch. Eu já tinha ouvido falar dele como um criador de obras com coisas meio misteriosas, envoltas em sonhos e tal. Nunca vi nada dele, eu acho, mas já tinha ouvido falar da série Twin Peaks, que é uma das obras mais conhecidas dele; é a investigação de algo que acontece numa cidadezinha e tem mistério e tal.
Tenho amigos que já conhecem essa série e outros que estão assistindo agora (muito influenciados pelos jogos Alan Wake e Control, os quais eu certamente não vou jogar), e é uma série muito benquista por quem comenta TV desde décadas atrás. Além disso, lá no Bluesky, alguém teve a ideia de fazer um “watch-along” como se a série estivesse passando na TV agora, um episódio por semana — algo que já aconteceu aqui no Brasil, porque a série passou na Globo aos domingos, nos anos 90, com direito ao Faustão anunciando.
Me deu um interesse de acompanhar, talvez seja uma oportunidade boa. A dinâmica de um por semana ao mesmo tempo parece legal por exigir “pouco esforço” mas admito que me assusta um pouco por ser um compromisso de longo prazo — posso desistir no meio, posso acabar maratonando tudo, posso esquecer de ver? Posso, mas acho que dá pra tentar mesmo assim.
Inclusive, até pensei em escrever alguma coisa sobre cada episódio, aproveitando o template do post de filmes de 2020. Não sei se vinga, mas vamos ver. (Potenciais spoilers a seguir.)
Quem matou Odete Roitman Laura Palmer?
Depois de três minutos de abertura mostrando uma cidadezinha pacata, já vem o mistério na sua cara: uma menina de 17 anos aparece morta na beira da água, embalada em plástico. A cidade de Twin Peaks, com uma população similar às cidades de Tremembé-SP e Sapé-PB, fica em choque.
Sinceramente, eu não sou muito bom com esses casos de whodunit, meio que vou assistindo, tenho minhas interpretações, mas não duvido algo estar óbvio na minha cara e eu não notar. Não arrisco nenhum nome de quem teria matado Laura Palmer por enquanto.
O episódio, que tem 1h30, é bem dedicado a mostrar vários pedaços dessa cidade e como cada um deles reage à notícia da morte. Vou admitir que não consegui ver de cabo a rabo, fui fazendo pausas (já não basta eu ter começado atrasado o role-play de "Twin Peaks na Globo todo sábado", porque eu vi no domingo).
O caso vai se desenvolvendo até que, além do xerife e das autoridades locais, o FBI também assume a situação. O assassinato pode ter motivos mais amplos, ligados a mais casos. O agente do FBI, por algum motivo, foi engraçado pra mim — que interesse pelas árvores esse homem tem.
Laura não foi a única morta, e uma outra jovem aparece viva, tendo escapado de quem a estuprou. A coisa fica mais séria, e lá pro final, começa a tomar rumos mais… bizarros, sobrenaturais? Ou foi só aquele moleque inventando umas loucuras?
“Bem, será que alguém conseguiria achar esse colar enterrado? Será que tem que usar cachorro, detector de metal?”, eu pensei em um momento.
Minha dúvida não durou um episódio.
A abertura diminuiu, agora tem um minuto e meio.
O episódio já começa com o agente Cooper pendurado de cabeça pra baixo de ceroulas e aquele cinto que segura a meia — incrível. Na real, esse começo do episódio tem uma vibe meio de sitcom, felizinha, na trilha mesmo, enquanto o Cooper começa o dia dele. Essa vibe acaba quando ele começa o expediente.
Mais gente da cidadezinha começa a ter desenvolvimento, tem um caminhoneiro briguento que tá com uma camisa ensanguentadaça, tem a filha do dono do hotel que cagou a tentativa dele de trazer investidores; tão se revelando conexões, flertes, chifres… que eu até admito que me perdi um pouco nos nomes. No meio do episódio tem uma senhora que se excita em pensar que a serraria (gerenciada pela viúva do irmão dela) pode falir.
No episódio anterior, uns moleques foram presos durante a investigação, dentre eles o namoradinho chato da Laura e o carinha com quem ela tava metendo a galhada no namoradinho. Eles foram soltos nesse, e enquanto o namoradinho é um rebeldinho com pai militar, o amante é um playboyzinho roupa de couro que até veste suéter pra ir na casa da namorada. Esse playboyzinho, inclusive, revela pra polícia que a Laura tinha problema com cocaína.
Os investigadores tomam café com notas de peixe.
A mãe da Laura, coitada, recebe uma visita da amiga da Laura (que contou pra própria mãe que sabia do chifre) mas começa a pirar e enxerga a Laura na amiga (numa vibe Claire com a cara do Michael Kyle) e tem uma visão de um tiozão de cabelo branco agachado na casa. É um jumpscare bem… estranho. Tá perturbadaça a mulher.
E, por fim, aparece o pedaço do colar que enterraram no episódio passado… e guardaram dentro de um coco?
Eu não sei se é proposital, e se vai se manter, mas ainda me pega o episódio iniciar como uma sitcom de comédia qualquer, com musiquinha e diálogos rotineiros — até o cara se entupir de um pão claramente seco pra desgraça e falar que tá ótimo. (Inclusive, os irmãos terem nome de sorvete???)
Do nada, um puteiro na divisa com o Canadá, cujo nome (Jack Caolho) parece ser importante pra história. E, junto com a música, a cinematografia bem avermelhada, dando uma sensação meio desconfortável até… Eu não sei até que ponto foi proposital, porque é um puteiro, mas também porque na versão que eu estou assistindo tem um bom tanto desse tom “quente” na imagem. E ainda tem o dono do hotel cumprimentando a dona do puteiro recitando Shakespeare do nada.
Aí tem um momento íntimo entre o amante e a amiga da Laura Palmer contando um pro outro como eles tavam a fim de trair a confiança da Laura Palmer e se pegar, ou algo assim. Agora eles tão livres pra isso né.
Os moleques encrenqueiros aparentemente compram droga do caminhoneiro que bate na esposa, que trai ele com um dos moleques encrenqueiros, que tá endividado com o cara violento que ele tá chifrando. Mas que cidadezinha, só tem corno.
Agente Dale Cooper continua totalmente excelente. Agora tirou de um sonho com o Tibete que, se ele disser o nome de um suspeito antes de tacar uma pedra numa garrafa, e acertar, compensa investigar a pessoa. Nessa, a atenção dele fica pro caminhoneiro e pro psiquiatra.
Aí chega outro cara do FBI (me pergunto a opinião dele sobre a guerra) escrotizando completamente a cidadezinha e o trabalho do povo, levou até um aviso do xerife que evitou uma bordoada.
Nas histórias paralelas, tem uma senhora querendo fazer um varão de cortina silencioso pra levar no Shark Tank; no hotel, tem gente fazendo mutreta com os livros da contabilidade.
A loucura chegou no pai da Laura agora, que ficou dançando rodopiando gritando segurando a foto da filha. O trauma tá bem forte, e eu já não sei se é só luto ou tem mais alguma coisa por trás; o jeito que os pais dela gritam é muito distinto, não sei se é o tom, a captação de áudio, mas é um grito de desespero, tem um quê diferente.
E aí tem o sonho maluco do Cooper, onde começam a se desenrolar umas loucuras. O cara da alucinação da mãe da Laura aparece, junto com outro sem um braço; o Cooper se vê velho ressecado numa sala com cortinas vermelhas, um anão e uma quase-Laura Palmer que falam de trás pra frente. O anão dança em reverso. Cooper acorda com um topete pro lado no meio do cabelo, dizendo que agora sabe quem matou Laura Palmer.
(Eu genuinamente fiquei distraído com o anão dançando durante os créditos e levei um susto com o som de choque da assinatura da Lynch/Frost Productions.)
Mas é claro que o Cooper esqueceu o recado que a falsa Laura deu pra ele durante o sonho na sala vermelha. (Ainda tem mais quatro episódios nessa temporada.)
O perito de fora resolve implicar com a autópsia da Laura, querendo mais tempo (o que atrasaria o velório). E aparentemente ele tem cinco segundos de tempo de reação, porque levou um socão (merecido) do xerife, que ele plenamente poderia ter desviado.
No velório, o ex da Laura (o com pai militar) se revolta, joga a culpa na cidade inteira da morte dela, e ameaça matar o amigo playboyzinho. Enquanto isso, a cabecinha do pai da Laura tá esfarelando: tá se jogando no caixão, implorando pra dançarem com ele… Me pergunto o quanto é luto e desespero ou se tem algum fator de culpa nisso, ou problemas mentais mesmo.
O xerife e os colegas dele levam o Cooper pra um clube secreto que aparentemente tá tentando evitar que entre cocaína na cidade, e nisso tem gente amordaçada e… mas que cacete o playboyzinho amigo da Laura tá nesse clube?!?
Aliás, o Cooper trabalhou nesse episódio: teve que separar a briga no necrotério, foi num clube secreto, ficou à noite no cemitério e flagrou o psiquiatra indo visitar o túmulo da Laura, e ainda teve que levar embora o pai da Laura que tava loucaço implorando por uma dancinha. Só faltou ele colar no puteiro.
Eu não sei se vi esse episódio com um pouco menos de atenção, porque ele não é ruim, mas me pareceu bem “velocidade de cruzeiro”; ele leva a história adiante, revela informações relevantes… Acho que eu tô com essa sensação porque já me perdi quanto a quem são os homens de meia-idade dessa série, só sei que aparentemente a senhora irmã do dono da serraria tá dando pra todos eles.
Enfim, foi confirmado que a visão jumpscare da mãe da Laura está interligada com o sonho maluco do Cooper por algum vínculo psíquico, onírico talvez (“onírico” é que tem a ver com sonho né).
A Laura tinha problemas tão grandes que o psiquiatra não conseguiu resolver, mas ele sabia de algum cara com um carro vermelho que ela mencionou — que vem a ser o caminhoneiro que bate em mulher. O corpo dela tinha marca de corda, bicada de pássaro e uma ficha de pôquer no estômago com a letra J.
Cooper e Truman vão atrás do homem sem braço que apareceu no sonho maluco do Cooper, perto de onde a senhora fogosa deve tá traindo o marido dela com alguém que me parece o marido dela. O homem sem braço não faz ideia do que tá rolando, mas que tem um amigo veterinário chamado Bob (que nem o véio do jumpscare da mãe da Laura).
Eles vão atrás do veterinário e acham uma corda que bate com a corda que amarraram a Laura, e depois descobrem que o pássaro que atacou a Laura passou pelo veterinário.
A moça da lanchonete tem um marido preso que tem um chaveiro de uma peça de dominó… e aparentemente esse marido tá tendo um negócio com a Josie (a irmã do dono da serraria). Falando em chifre, a esposa do caminhoneiro mostra a camisa ensanguentada pro Bobby, que usa isso pra tentar incriminar o caminhoneiro. Ah, e o caminhoneiro vai tacar fogo na serraria.
Eu estou ficando confuso. Tem uma lhama no episódio também.
Eu tô perdido. Este é um resumo baseado nos resumos dos primeiros cinco episódios na Wikipedia.
Agora só falta eu memorizar os rostos de todas essas pessoas.
(O projeto “Twin Peaks na Globo” fez uma pausa no carnaval e eu esqueci de ver os dois episódios programados para os dois sábados seguintes, então me atrasei um pouco.)
A Laura não era santa mesmo. Segundo o Bobby e o psiquiatra Telecurso 2000, ela era doidinha, queria morrer, e manipulava as pessoas por causa disso. E também botava anúncio de “modelo” “acompanhante” nos classificados da Playboy genérica.
Audrey, filha do dono do hotel, é uma desgraçada. “Ai sou tão burrinha afastei os investidores noruegueses sem querer”, corta cena, ela tá ameaçando forjar um assédio sexual pra conseguir um emprego, e no final do episódio tá pelada na cama do Cooper depois de invadir o quarto dele.
Cooper e a trupe, inclusive, vão na cabana com cortina vermelha do Jacques, que não é exatamente a sala vermelha do sonho em reverso dele, e também falam com a velha do tronco. Na cabana do Jacques tá lá um passarinho, a corda, e a ficha de pôquer do puteiro.
Tem uma festa no hotel e a Catherine (irmã do dono da serraria), ali mesmo na frente de geral, faz uma gracinha com o Ben (dono do hotel) pra que eles possam se pegar num cantinho. Tive a mesma reação que a Flora, da novela A Favorita (2008–2009). Pelo menos foi obrigada a dançar com o pai da Laura que, de novo, endoidou e começou a dançar sozinho.
O caminhoneiro que bate na esposa voltou de sei lá onde pra acabar apanhando do Hank (marido da dona da lanchonete), que saiu da prisão e era o chefe do tráfico, e ainda acabou levando um tiro da esposa na maior vibe de “‘Vai atirar em mim?’, disse homem baleado”.
E, por fim, eu fui procurar quem era o ator que faz o irmão do Ben porque aquele rosto não me era estranho – além de ele me lembrar o Casey Neistat.
Ainda bem que o Cooper tem a cabeça no lugar e não cedeu à mocinha ai que burrinha ela. Ô guriazinha ordinária. Ao longo do episódio ela resolve trabalhar no puteiro do Caolho e consegue porque sabe dar nó com a língua.
O passarinho fala que nem papagaio e falou o nome do caminhoneiro e da Laura… e aí o caminhoneiro matou ele à distância. Parece óbvio demais que o Leo tá envolvido no assassinato de alguma forma, será que o seu David Lynch vai puxar meu tapete por pensar assim? Será que vou me surpreender com um plot twist de 1990? Eu acho que não reclamaria.
Cooper foi disfarçado no puteiro Caolho e eu tô sentindo que a chatinha vai ver ele e vai estragar toda a operação. Ai como é burrinha ela né.
No núcleo do chifre e da serraria, o jogo virou e agora é a Josie que quer queimar a serraria??? A velha safada lá foi tapeada, aparentemente.
Agora, o plano infalível do namoradinho, da amiga e da prima da Laura certamente foi uma ideia. Eu genuinamente fiquei confuso quando a prima apareceu disfarçada, porque eu não sou bom com os rostos dos atores dessa série, e eu achei que era um flashback ou uma alucinação do James nível Claire com o rosto do Michael Kyle. Enfim, eles conseguem tirar o Dr. Psicólogo do consultório, entram lá pra tentar achar a fita do dia da morte da Laura, e deixam a prima dela ao relento, tomando sereno. Nisso tem o Bobby tentando matar o James pondo um pacote de cocaína no tanque, e uma figura oculta vendo isso de longe e vigiando a menina.
É o caminhoneiro, não é?
(Escrevendo esse texto com uma semana de atraso, porque esqueci de fazer isso no dia em que assisti.)
A figura oculta dá umas porradas no psiquiatra e ele tem um treco vendo a falsa Laura ir embora. O zoom no olho com a transição pra roleta: cinema.
Os moleques enxeridos encontram a última fita da Laura pro psiquiatra e quando ouvem, descobrem que ela era menos santinha ainda, apesar de censurar a palavra “fogo” (no sentido de “tesão”). Parece a Jay Kyle soletrando D-E-D-O pra falar que alguém mostrou o dedo do meio (que, parando pra pensar, no original ela deve falar F-word pra se referir a finger né).
Cooper consegue ludibriar Jacques, o gordão que trabalha como dealer — de cartas, não de droga (peraí, também é de droga né) — e ele vai preso por suspeita do assassinato, depois de levar um tiro do policial que agora sabe pegar na pistola (por isso engravidou a secretária?). O gordão vai parar na UTI e aí o pai da Laura vai lá e mata ele, simplesmente contraindo um crime pra si e tirando qualquer chance do gordão contar mais algo sobre o assassinato. Para-béns, que velho imbecil.
A menina burrinha até vê o Cooper no sistema de vigilância do puteiro, mas ela tem problemas maiores: o primeiro cliente dela é o próprio pai.
Pra mostrar que é uma pessoa de bem, o caminhoneiro agride e sequestra a esposa e coloca ela na serraria que ele foi contratado pra tacar fogo. É um personagem com a moral muito cinza, sutil, tanto quanto vilões de novela das oito da época que as novelas da Globo tinham cara de novela. (Agora, a cena do incêndio foi um novelão mesmo — em tom de elogio.)
E a véia da cortina silenciosa, que entrou numa depressão e tomou remédio pra se matar???
Agora, o final. Eu já sabia que o assassino não seria revelado no final da temporada, então o gancho tinha que ser outro. E foi bom: o Cooper tranquilo no hotel, recebe um recadinho da chatinha, atende o telefone e, ao mesmo tempo em que falam que o caminhoneiro foi detido, ele abre a porta pra um assassino — em princípio não é o Leo — que dá dois tiros sem sangue nele. Muito bacana.