No capítulo anterior, vimos como reações redox podem ser usadas para gerar energia elétrica. Agora vamos ver o contrário: reações redox que acontecem por causa da passagem de eletricidade.
Lá atrás, no Capítulo 4, a palavra eletrólise apareceu como sinônimo de reação de decomposição causada pela passagem de eletricidade. A ideia nesse capítulo é a mesma, mas essa eletrólise pode acontecer de diversas formas. O principal é que passe uma corrente elétrica em um eletrólito — que pode estar derretido ou dissolvido.
Diferentemente das células galvânicas (pilhas e baterias), que ligam diretamente um eletrodo a outro, as células eletrolíticas têm alguma bateria ligada aos dois eletrodos de maneira que a corrente elétrica seja forçada a circular em um sentido contrário àquele que seria espontâneo.
Um jeito de passar eletricidade por um eletrólito é se ele for uma substância iônica derretida. Esse processo é chamado de eletrólise ígnea.
O cloreto de sódio, por exemplo, derrete a 801°C. Se eletrodos ligados a uma bateria forem colocados no cloreto de sódio líquido, acontece a eletrólise ígnea do NaCl. O NaCl líquido tem os íons Na+ e Cl− livres, e quando os eletrodos são colocados, cada íon vai em direção a um eletrodo: o ânion Cl− vai para o ânodo e o cátion Na+ vai para o cátodo.
No ânodo, ocorre a oxidação do ânion Cl−, liberando elétrons que são “puxados” pro circuito por causa da bateria:
No cátodo, elétrons chegam e causam a redução do cátion Na+:
No ânodo se forma gás cloro, Cl2, e no cátodo se forma sódio metálico, Na, líquido por causa da temperatura. A equação global dessa eletrólise é:
falta coisa aqui: interlúdio
Um outro jeito, que não envolve temperaturas muito altas, é fazer a eletrólise de uma solução eletrolítica: em vez de derreter a substância iônica, dissolve-se ela em água. Isso traz personagens novos para a situação, porque a água pode se oxidar ou se reduzir sob a ação da tensão elétrica:
Vale dizer que, como esses valores são potenciais padrão, as concentrações dos participantes são 1 mol/L, em princípio. Se formos pegar os valores desses potenciais em pH 7 (ou seja, com [H+] = [OH−] = 10−7 mol/L), eles são um pouco diferentes:
Quando uma solução aquosa é eletrolisada, os íons do soluto competem com a água tanto no ânodo quanto no cátodo. Comparando os valores dos potenciais, é possível ter uma noção de quais serão os produtos da eletrólise.
Vamos analisar a eletrólise de uma solução aquosa de NaCl. Se a eletrólise fosse de NaCl derretido, já saberíamos que os produtos seriam Na e Cl2. Mas como a água interfere nesse resultado?
Temos duas reações de redução que competem para acontecer no cátodo: Na+ formando Na ou H2O formando H2. Para saber qual delas acontece primeiro, podemos comparar os potenciais padrão de redução:
Podemos ver que a redução da água é priorizada porque o potencial de redução dela é mais alto (menos negativo) que o do Na+. Por isso, se forma gás hidrogênio no cátodo nessa eletrólise.
No ânodo, também existe uma competição entre duas possíveis reações de oxidação: é possível que o Cl− se oxide formando Cl2, ou que a água se oxide formando oxigênio:
A redução do O2 tem menor E° que a do Cl2, portanto a oxidação da água tem maior potencial de oxidação do que a oxidação do Cl− e, portanto, deveria ser priorizada. Mas o que acontece de fato é a produção de Cl2 no ânodo nessa eletrólise. O que houve?
Bem, um efeito colateral de ter que forçar a eletrólise a acontecer, é que não basta fornecer apenas a tensão mínima necessária para reverter a reação redox espontânea. É preciso fornecer uma sobretensão para que, de fato, a eletrólise aconteça. Para oxidar a água formando oxigênio, a presença da sobretensão pode jogar o potencial necessário de 0,82 V para até 1,4 V. Por isso, na competição com o cloro, a oxidação da água acaba perdendo, e por isso se forma Cl2 no ânodo.
Existem algumas listas de descarga que ajudam a prever os produtos de uma eletrólise, levando em conta as eventuais sobretensões. De maneira geral, a redução da água (formando H2) acontece antes da redução de metais alcalinos, alcalinoterrosos e do alumínio, e a oxidação da água (formando O2) acontece antes da oxidação de ânions com oxigênio (ex.: NO3−, SO42−) e do fluoreto (F−).
Em pH neutro, vimos que as semirreações de oxidação e redução da água não são espontâneas: a oxidação tem
Ou seja, se quisermos eletrolisar a água, formando H2 e O2 precisamos fornecer pelo menos 1,23 V de tensão elétrica. Mas a água pura não conduz eletricidade em quantidade considerável. Então costuma-se dissolver algum soluto iônico para aumentar a condutividade elétrica, mas isso pode trazer um efeito colateral: a competição.
Se dissolvermos algum soluto cujos íons tenham mais facilidade de “descarregar” nos eletrodos, não conseguiremos fazer a eletrólise da água. Já vimos, por exemplo, que NaCl não funcionaria: se forma Cl2 em vez de O2. Então o soluto deve ser escolhido adequadamente para que seus íons não se descarreguem antes da água se oxidar e se reduzir. Solutos que costumam funcionar bem são o sulfato de sódio (Na2SO4) e o bicarbonato de sódio (NaHCO3).
falta coisa aqui: interlúdio
Uma correspondência útil, observada pelo cientista inglês Michael Faraday, é que as quantidades das substâncias envolvidas numa eletrólise estão relacionadas com a quantidade de carga que passou pela cela eletrolítica.
Faraday propôs duas relações, chamadas de leis de Faraday para a eletrólise. A primeira lei diz que a massa de qualquer substância envolvida numa eletrólise é diretamente proporcional à carga envolvida no processo. A segunda lei diz que, quando a mesma quantidade de carga é usada em diferentes eletrólises, “massas equivalentes” das substâncias eram consumidas ou produzidas.
“Massas equivalentes” é um termo arcaico da Química, de uma época onde as quantidades não eram expressas com base em mols. Aliás, vale dizer que, na época de Faraday, o elétron ainda não tinha sido descoberto, mas já se tinha noção do que era carga elétrica.
Já vimos alguns aspectos do que é carga elétrica, ao menos de forma qualitativa: é a propriedade de uma partícula, ou de um objeto, que faz ela ser atraída ou repelida por outras. De maneira quantitativa, a carga elétrica de um objeto (representada por Q ou q) é expressa em coulombs (C). A carga elementar (e) é uma constante física fundamental, e é a magnitude da carga elétrica de um elétron ou de um próton: e = 1,602 × 10−19 C; ou seja, a carga de um próton é +1,602 × 10−19 C e a carga de um elétron é −1,602 × 10−19 C.SI-2019
Para fins práticos, é importante saber qual é a carga elétrica de um mol de elétrons. Para isso, multiplicamos a carga elementar pela constante de Avogadro e chegamos num valor chamado de constante de Faraday (F):farad
Ou seja, a carga de um mol de elétrons é 96485 coulombs. Vamos usar essa informação num exemplo: na eletrólise de purificação do cobre, a reação no cátodo é:
Essa redução envolve 2 mols de elétrons e forma 1 mol de cobre elementar sólido. Ou seja, 2 × 96485 C = 192970 C precisam circular na cela eletrolítica para depositar 1 mol de Cu = 63,5 g de Cu sólido.
Mas como saber quantos coulombs circularam no circuito elétrico? Para isso, se usa a intensidade de corrente elétrica (i ou I) — ou, simplesmente, “a corrente elétrica” — que é o quanto de carga elétrica circula num circuito por unidade de tempo. Se num determinado circuito, circula um coulomb por segundo, dizemos que a corrente elétrica nele é de um ampère (ou ampere):um-coulomb
Dessa forma, podemos relacionar a carga que circula num circuito com a intensidade de corrente:
Vamos voltar ao exemplo do cobre. Sabemos que, para depositar 63,5 g de Cu, são necessários 192970 C. Vamos supor que a cela eletrolítica envolve uma corrente de 2 A. Quanto tempo essa cela deve funcionar para depositar os 63,5 g?
Bem, se são necessários Q = 192970 C, e a corrente é i = 5,0 A, podemos calcular o tempo da seguinte forma:
Portanto, essa cela precisa ficar funcionando durante 38594 segundos, que dá aproximadamente 10,7 horas (um tempo que até faz sentido considerando uma corrente razoavelmente baixa e a quantidade de metal esperada).
Então, é possível prever vários aspectos de uma eletrólise, sabendo que 1 mol de elétrons tem uma carga de 96485 C (a constante de Faraday), e que a carga total é igual à corrente vezes o tempo.
ExemploA eletrólise aquosa do cloreto de sódio produz gás cloro, Cl2 (massa molar 71 g/mol):
Calcule a massa de Cl2 formada em 20 minutos numa cela eletrolítica em que essa reação ocorre continuamente com 5,0 A de corrente.
EstratégiaPrecisamos saber quantos mols de elétrons estão envolvidos na formação do Cl2. Com esse valor, podemos saber quanto de carga é necessário para formar 1 mol de Cl2.
Com o tempo e a corrente dados no enunciado, podemos encontrar quanto de carga circulou nesta cela eletrolítica. Com ambas as cargas, podemos calcular a quantidade de Cl2.
ResoluçãoNa eletrólise, o Cl2 é formado pela seguinte oxidação:
Ou seja, para formar 1 mol de Cl2, devem circular 2 mols de elétrons. A massa de 1 mol de Cl2 é 71 g, e a carga de 2 mols de elétrons é 2 × 96485 C = 192970 C. Ou seja, 192970 C são necessários para produzir 71 g de Cl2.
Na cela do enunciado, t = 20 min = 1200 s e i = 5,0 A. Portanto, a carga total que circula nesse tempo é Q = it = (5,0 A) · (1200 s) = 6000 C.
Podemos fazer uma regra de três:
Ou seja, são formados 2,2 g de Cl2 nessa cela eletrolítica.
Nota: esse é um dos caminhos possíveis. Também seria possível determinar quantos mols de elétrons circularam nesse tempo e fazer outra relação. Nessa cela circularam 6000 C, que equivalem a
TreinoO metal sódio pode ser obtido pela eletrólise ígnea do cloreto de sódio:
Calcule a massa de sódio formada em 10 minutos numa cela eletrolítica em que essa reação ocorre continuamente com 3,0 A de corrente. (A massa molar do sódio é 23 g/mol.)
ExemploUma cela eletrolítica é usada para depositar cobre metálico, a partir da eletrólise de uma solução ácida de CuSO4. Quantas horas são necessárias para depositar 15,0 g de cobre metálico numa peça, usando uma solução 1,0 mol/L de CuSO4 (aq), e uma corrente de 4,0 A? (A massa molar do cobre é 63,5 g/mol.)
ResoluçãoA deposição do cobre acontece pela seguinte redução:
Portanto, são necessários 2 mol de elétrons para depositar 1 mol de Cu (s). Usando a constante de Faraday e a massa molar do cobre, podemos concluir que são necessários 2 × 96485 = 192970 C para depositar 63,5 g de Cu (s).
Agora, descobrimos quanta carga é necessária para depositar 15,0 g de cobre:
Sabendo essa quantidade de carga e a corrente, calculamos o tempo:
Uma hora tem 3600 segundos. Portanto esse tempo corresponde a
Um jeito mais compacto envolve fazer uma combinação de informações:
Substituindo a primeira igualdade na segunda, temos: