Vários processos, físicos e químicos, envolvem alguma mudança de temperatura. Para que o gelo derreta, é necessário esquentá-lo; quando o vapor de água no ar bate numa superfície fria, ele se transforma em gotículas de água líquida; quando um explosivo é detonado, os arredores se aquecem instantaneamente.
Nós já vimos uma definição microscópica de temperatura: é uma medida média da agitação das partículas que formam um material. Nós ainda vamos acrescentar mais alguns detalhes nos próximos capítulos, mas por enquanto podemos usar essa definição.
Ninguém, quando mede a temperatura de algo, vai lá e mede a velocidade média dessa agitação em, digamos, metros por segundo; nós costumamos expressar a temperatura em graus Celsius (°C), ou kelvins (K), porque essas são escalas que foram criadas para uso nos termômetros.
E a ideia de calor? É igual à temperatura?
Não. Calor é a energia trocada entre dois objetos devido a diferenças de temperatura. Fisicamente falando, nenhum objeto “tem” calor — ele tem alguma temperatura — mas ele pode perder ou ganhar calor caso esteja em contato com algum outro objeto de temperatura diferente.
Esse calor é transferido por causa de colisões entre as partículas mais rápidas do objeto mais quente com as partículas mais lentas do objeto mais frio. Isso transfere energia de movimento (energia cinética) entre elas, até que a temperatura dos dois objetos se equilibre.
Por ser energia, quantidades de calor têm as mesmas unidades de medida de energia: joule (J), no Sistema Internacional de Unidades, e eventualmente caloria (cal). Para reações químicas, as quantidades típicas de calor envolvidas são na casa dos milhares de joules ou calorias, e costumam ser expressas em quilojoules (kJ) ou quilocalorias (kcal). As relações entre elas são:
1 kJ = 1000 J
1 kcal = 1000 cal
1 cal = 4,184 J
1 kcal = 4,184 kJ
Qualquer transformação, física ou química, que troque calor com a vizinhança, faz isso de uma ou outra forma: eles podem liberar calor para a vizinhança (esquentando os arredores) ou absorver calor da vizinhança (esfriando os arredores). Processos que liberam calor são chamados de exotérmicos e processos que absorvem calor são chamados de endotérmicos. Em grego, o prefixo exo-exo dá uma noção de “exterior”, “externo”, e o prefixo endo- dá uma ideia de “interior”, “interno”.
O derretimento do gelo e a evaporação da água são processos que absorvem calor da vizinhança para acontecerem, ou seja, são endotérmicos. (Inclusive é por isso que sentimos um pouco de frio antes de se secar após sair de uma piscina: a água rouba calor do nosso corpo para evaporar e isso nos esfria.) Uma queima de gás ou uma explosão de dinamite são processos que liberam calor para a vizinhança, ou seja, são exotérmicos.
Usando simbologia química e incluindo o calor como um “participante” do processo, poderíamos representar a evaporação da água como:
Num processo endotérmico, como esse, é como se o calor fosse um reagente.
Já a queima de um gás — vamos supor aqui que seja metano (CH4), o “gás natural” — poderia ser representada assim:
Num processo exotérmico, como esse, é como se o calor fosse um produto.
Para se ter uma noção melhor de quanto calor uma reação química absorve ou libera, precisamos realizá-la em alguma espécie de ambiente controlado. Um exemplo de ambiente controlado é um calorímetro: um recipiente fechado, tão isolado da vizinhança quanto possível, em que dentro dele acontece algum processo físico ou químico.
Um calorímetro bem simples se parece com um copo térmico de café, com uma tampa perfurada onde se coloca um termômetro. Dentro desse copo vai acontecer o processo que está sendo observado, e isso vai fazer a temperatura lida no termômetro aumentar ou diminuir. Com base em cálculos físicos, é possível determinar quanto foi o calor liberado ou absorvido por esse processo. Numa situação ideal, o copo térmico é completamente isolado do ambiente externo, então não há troca de calor entre ele e o ambiente; assim, todas as trocas de calor observadas (e que se refletem na temperatura) acontecem dentro do copo.
Como esse calorímetro simples é fechado com uma tampa não tão presa assim, considera-se que o processo no interior dele acontecerá sob pressão constante (que é a pressão atmosférica). Existem outros tipos de calorímetro mais elaborados, que mantêm o sistema sob volume constante — um exemplo é o calorímetro bomba. Em cada situação, a variação de temperatura observada no termômetro será interpretada de um jeito.
A quantidade de calor trocado no processo é determinada usando uma propriedade chamada capacidade calorífica (C) do calorímetro:
A capacidade calorífica tem unidades como cal/°C (caloria por grau Celsius), ou J/K (joule por kelvin); dizer que um calorímetro tem C = 1 cal/°C, por exemplo, significa que é necessária uma caloria para elevar a temperatura desse calorímetro em um grau Celsius. Quanto maior a capacidade calorífica de um material, mais calor será necessário para aumentar a temperatura dele.
A capacidade calorífica depende da quantidade de material. Para substâncias, é comum definir um calor específico (c), que é a capacidade calorífica por unidade de massa:
O calor específico tem unidades do tipo cal/(g · °C) ou J/(g · K). Um calor específico de 1 cal/(g · °C), por exemplo, significa que para elevar em 1°C a temperatura de um grama da substância, é necessária uma caloria. (A água líquida tem esse valor de calor específico: 1 cal/(g · °C) = 4,184 J/(g · K).)unidades-calor-específico
Assim, quando uma substância sofre variação de temperatura (sem mudar de estado físico), o calor necessário para isso acontecer é:
Existe uma ferramenta matemática útil que está relacionada com o calor trocado por uma reação química. Mas antes de apresentá-la, precisamos pensar em algo fundamental da natureza: a energia total do Universo é constante. Isso é descrito pela primeira lei da termodinâmica, e tem aplicações em diversas áreas da Física e da Química. Por exemplo, de acordo com a primeira lei da termodinâmica, não é possível criar energia do zero, e isso impede, por exemplo, a existência de motos-perpétuos ou motos-contínuos, dispositivos que funcionariam eternamente sem a adição de energia (por exemplo, um carro elétrico que supostamente se recarregaria sozinho, sem perda alguma de energia).
Em processos físicos ou químicos, podemos definir a energia interna (U) de um sistema, que é a soma de todas as energias das partículas que compõem esse sistema — no caso, energia cinética e energia potencial. Energia cinética (Ec) está associada ao movimento: quanto mais rápido algo se move, maior sua energia cinética. Energia potencial (Ep) está associada a interações baseadas na posição dos objetos de um sistema; existem vários tipos de energia potencial: gravitacional, elástica, elétrica.
A energia interna é considerada, no aspecto matemático, uma função de estado, ou seja, caso essa quantidade mude numa transformação, a variação dela depende apenas dos estados inicial e final. Isso significa que, se ela variar de um valor para outro, não importa como isso aconteça, essa variação sempre será a mesma enquanto os valores inicial e final forem os mesmos.
Para fazer uma comparação básica: imagine que você precisa subir do 1º para o 10º andar em um prédio. Você pode ir direto do 1º ao 10º, ou fazer algum caminho mais longo, como ir do 1º pro 15º, aí pro 5º, depois pro 12º, depois pro 8º e enfim pro 10º. Esses dois trajetos são jeitos diferentes de ir do 1º andar ao 10º, e a diferença entre esses andares (9 andares) seria uma função de estado: não importa o trajeto, se você começou no 1º e acabou no 10º você acabou 9 andares acima.
Claro que, quando um sistema tem uma variação de energia interna, isso não acontece de graça. A energia total do Universo é a mesma, como diz a primeira lei da termodinâmica, então também deve acontecer uma variação de energia interna da vizinhança desse sistema. Essa troca de energia pode acontecer de duas formas: por calor e por trabalho. Calor, como vimos anteriormente, é energia passada de um objeto para outro por causa de diferenças de temperatura. Trabalho é o resultado de uma força agindo por uma certa distância.
Calor e trabalho, quando combinados, compõem a energia interna de um sistema. Denotando calor por Q e trabalho por τ, podemos escrever uma expressão matemática da primeira lei da termodinâmica:tau
ΔU = Q + τ
Calor e trabalho podem “entrar” ou “sair” do sistema, e isso se reflete na expressão matemática da primeira lei da termodinâmica. Do jeito que ela foi escrita acima, consideramos que Q e τ terão sinais positivos quando forem “recebidos” pelo sistema (Q é positivo se o sistema receber calor, e τ é positivo se a vizinhança realizar trabalho sobre o sistema), e terão sinais negativos quando “saírem” do sistema (Q é negativo se o sistema ceder calor, e τ é negativo se o sistema realizar trabalho sobre a vizinhança).convenção-primeira-lei
Existem vários jeitos de um sistema realizar ou receber trabalho; para reações químicas, é relevante considerar o trabalho pressão–volume, envolvido quando um sistema muda de volume (se expande ou se contrai) contra alguma pressão externa. Um exemplo disso é uma explosão que acontece dentro de um motor de automóvel que resulta em gases se expandindo dentro dos cilindros do motor, empurrando os pistões.
Reações químicas costumam ser feitas em sistemas abertos, sob pressão constante. Nessa condição, é possível relacionar o calor trocado por uma reação com outra grandeza física, chamada entalpia (H).etimologia-símbolo-entalpia
Matematicamente, a entalpia de um sistema é uma propriedade definida de acordo com a energia interna, a pressão e o volume: H = U + PV. Não é possível medir a entalpia absoluta de um sistema. O que importa é que ela pode variar durante um processo físico ou químico, e essa variação de entalpia (ΔH) pode ser medida de acordo com as mudanças nas outras propriedades do sistema (pressão, volume, etc.)
Quando um processo acontece sob pressão constante, essa variação de entalpia tem o mesmo valor da quantidade de calor liberada ou absorvida nesse processo (mais adiante há uma prova matemática disso). Na Química, como costumamos trabalhar com reações químicas feitas nessa situação, convencionou-se expressar o calor trocado por uma reação usando o valor de ΔH.
O uso da entalpia traz alguns aspectos matemáticos que são úteis para a análise de reações químicas. Mas vale dizer que entalpia (e variação de entalpia) não são sinônimos perfeitos de calor. Um sistema sozinho tem algum “tanto” de entalpia (H), que pode variar (ΔH) durante um processo; podemos medir essa variação e considerar que, sob pressão constante, o valor dessa variação é igual ao calor liberado ou absorvido pelo sistema nesse processo. Em contrapartida, um sistema não tem nenhum “tanto” de calor: o calor só existe durante o processo, porque é uma quantidade de energia que está sendo transferida.
Quando um sistema libera calor, a entalpia dele diminui, logo a variação de entalpia desse processo é negativa. Quando um sistema absorve calor, a entalpia dele aumenta e, portanto, a variação de entalpia é positiva. Dessa forma, podemos associar valores de ΔH a processos endotérmicos e exotérmicos:
Apesar de não ser possível medir experimentalmente o valor de entalpia de um sistema, costuma-se representar a variação de entalpia de um processo com um diagrama de entalpia: um gráfico que mostra patamares relativos da entalpia inicial e final de um processo.
A Figura mostra dois diagramas de entalpia, um para uma reação endotérmica e outro para uma reação exotérmica. As setas indicam as variações de entalpia; perceba que a seta da reação endotérmica aponta para o mesmo sentido do aumento de entalpia, por isso o valor de ΔH é positivo; já a seta da reação exotérmica é no sentido contrário, por isso ela tem um valor de ΔH negativo.
Esse trecho do texto trará uma demonstração matemática de por que é possível usar a variação de entalpia de um processo como “sinônimo” de calor trocado, sob pressão constante. Numa primeira leitura, você pode pular esse bloco, caso equações matemáticas te assustem.
A definição de entalpia de um sistema é H = U + PV. Caso um sistema sofra uma variação de entalpia, ela será a entalpia final menos a inicial:
Se essa variação acontecer sob pressão constante, Pfinal = Pinicial; vamos chamar esse valor de P. Nesse caso:
O trabalho τ ali costuma ser, como já foi dito, um trabalho “pressão–volume”, que é realizado quando o sistema se expande ou se comprime sob a influência de uma pressão externa. A Figura ilustra o jeito geral de expressar o trabalho pressão–volume usando como ponto de partida um pistão comprimindo um volume de gás num cilindro. Na nossa convenção de sinais para o trabalho, se o pistão está comprimindo o gás, ele está fazendo trabalho sobre o sistema, então τ será positivo.
Da Física, trabalho é igual à força multiplicada pelo deslocamento (
Com a nossa convenção de sinais, se o gás está sendo comprimido, τ deve ser positivo; mas nessa compressão, o volume diminui, então
(O mesmo raciocínio pode ser aplicado para o caso de um gás expandindo e empurrando o pistão, só que aí τ deve ser negativo enquanto
Substituindo essa expressão para τ no cálculo de ΔH, finalmente podemos ver que, sob pressão constante:
O calor trocado por uma reação química depende das quantidades de reagentes envolvidas. O valor da variação de entalpia de uma reação costuma ser chamado apenas de entalpia de reação (apesar de ser uma variação), e pode ser representado por ΔHr, ΔrH ou, simplesmente, por ΔH.
Por exemplo, a queima do gás metano, quando acontece sob pressão de 1 bar e temperatura 25°C, libera 890 kJ de calor por mol de metano queimado. Podemos representar essa informação na forma de uma equação termoquímica, que mostra os estados físicos dos participantes e o valor da variação de entalpia:
Do jeito que essa equação termoquímica está escrita, podemos concluir que a queima de 1 mol de CH4 gasoso, consumindo 2 mol de O2 gasoso, libera 890 kJ na forma de calor.
Como o calor depende das quantidades de reagentes, podemos concluir que, se 2 mol de CH4 (g) queimarem consumindo 4 mol de O2 (g), o calor liberado será o dobro. Assim, podemos escrever outra equação termoquímica:
Aqui vem uma vantagem de usar a entalpia: como ela é uma função de estado, o valor de ΔH depende apenas dos estados inicial e final do processo; assim, podemos atribuir um valor de ΔH para a reação inversa da combustão (mesmo que ela seja difícil de executar na vida real):
Vale dizer que, obviamente, uma queima de combustível como a do metano eleva muito a temperatura dos arredores, então: como assim a equação termoquímica tem água líquida e a variação de entalpia foi medida “a 25°C”??? Aí entra aquilo que foi dito sobre a entalpia trazer benefícios matemáticos: é possível estimar a variação de entalpia de uma reação a partir dos reagentes e produtos (e seus estados físicos), usando valores que foram tabulados em uma temperatura e um estado físico definidos, como veremos adiante.
Antes de tratarmos mais a fundo da entalpia de reações químicas, é necessário abordar variações de entalpia de processos de mudança de fase, como a fusão e a ebulição.
Nós já temos noção de que, sob pressão constante, se pegarmos um material no estado sólido e aquecermos ele, ele pode virar líquido e, se aquecermos mais, ele pode virar vapor. Sólido, líquido e gás têm níveis diferentes de atração intermolecular (mais forte no sólido, intermediária no líquido, e quase nula no vapor), e a absorção de calor aumenta a agitação das partículas, vencendo essa atração, fazendo com que o material mude de fase.
A fusão (de sólido para líquido) e a vaporização (de líquido para vapor) precisam receber energia para acontecerem, portanto são mudanças endotérmicas: é necessário fornecer energia para que as partículas vençam as atrações intermoleculares e se afastem.
Já a liquefação (de vapor para líquido) e a solidificação (de líquido para sólido) liberam energia quando acontecem, portanto são mudanças exotérmicas: quando as partículas se aproximam, aumentam a atração intermolecular, e isso libera energia.
Se considerarmos que essas mudanças acontecem sob pressão constante, o calor envolvido nessas mudanças de estado, numa determinada temperatura, é igual à variação de entalpia da substância.
Usando como exemplo a água: a entalpia de fusão (ΔHfus ou ΔfusH) da água, a 0°C, é 6,01 kJ/mol. Ou seja, na temperatura de 0°C e pressão constante, é necessário fornecer 6,01 kJ de calor a um mol (cerca de 18 g) de água sólida (gelo) para que ela vire líquida (sem mudar de temperatura):
Já a entalpia de vaporização (ΔHvap ou ΔvapH) da água, a 100°C, é de 40,7 kJ/mol. Ou seja, a 100°C e pressão constante, um mol de água líquida precisa receber 40,7 kJ na forma de calor para virar vapor de água:
A entalpia de vaporização pode mudar com a temperatura; por exemplo, para a água na temperatura de 25°C, ΔHvap = 44,0 kJ/mol.
Também é possível definir uma entalpia de sublimação (ΔHsub ou ΔsubH) para uma substância. Como a entalpia é uma função de estado, um valor de ΔHsub só depende do início (sólido) e do fim (vapor), não importando o caminho — que pode ser a soma das entalpias de fusão (sólido → líquido) e de vaporização (líquido → vapor) da substância, medidas na mesma temperatura.
Como a entalpia depende do estado físico da substância, criou-se um estado padrão usado em cálculos termoquímicos. Uma substância está num estado padrão se ela estiver pura, tipicamente na forma alotrópica mais estável, e sob pressão de 1 bar; não existe restrição de temperatura, mas os dados de entalpia no estado padrão costumam se referir à temperatura de 25°C.
falta coisa aqui: continuar
Um tipo de reação química muito relevante quanto ao aspecto termoquímico é a combustão. Reações de combustão (obviamente) são exotérmicas, mas é interessante tabelar e comparar quanto calor é liberado por cada combustível diferente. A entalpia padrão de combustão (ΔHc° ou ΔcH°) de uma substância é o valor de ΔH da combustão completa de um mol dessa substância na presença de gás oxigênio, formando produtos no estado padrão.
Por exemplo, estas são as entalpias padrão de combustão do hidrogênio, do metano e do etanol:
Valores como esses são úteis para comparar, de maneira simplificada, a eficiência energética de vários combustíveis. Um jeito mais “palpável” é comparar o calor liberado por grama (ou por mililitro) de combustível, em vez de comparar diretamente essas entalpias.
Por exemplo, um mol de etanol, a 25°C, tem massa 46 gramas. Assim, fazendo uma regra de três, podemos calcular o calor de combustão do etanol por grama:
1366,8 kJ — 46 g (= 1 mol) x — 1 g x ≈ 29,7 kJ ==> 29,7 kJ/g
Para saber o calor por mililitro, precisamos da densidade do etanol, que é 0,789 g/mL a 25°C. Assim:
29,7 kJ — 1 g y — 0,789 g (= 1 mL) y = 23,4 kJ ==> 23,4 kJ/mL
(O sinal negativo não foi usado nos cálculos acima porque ele indica a liberação de calor. Se quisermos ser rigorosos, poderíamos escrever que a entalpia padrão de combustão do etanol é −1366,8 kJ/mol = −29,7 kJ/g = −23,4 kJ/mL.)
Mais valores de entalpias padrão de combustão de outros combustíveis, em diversas unidades, estão na Tabela .
| Combustível | Entalpia de combustão | ||
|---|---|---|---|
| kJ/mol | kJ/g | kJ/mL | |
| hidrogênio, H2 (l) | −285,8 | −141,8 | −9,9* |
| etanol, C2H5OH (l) | −1366,8 | −29,7 | −23,4 |
| grafite, C (s) | −393,5 | −32,8 | −73,8 |
| metano, CH4 (g) | −890,3 | −55,5 | −30,8* |
| metanol, CH3OH (l) | −725,9 | −22,7 | −17,9 |
| octano, C8H18 (l) | −5470 | −47,9 | −33,6 |
| tolueno, C7H8 (l) | −3910 | −42,3 | −36,7 |
*Calculado para o líquido comprimido, a 0°C.
Fonte: McMurry sei lá qual ed
Existem vários jeitos de calcular o valor de ΔH de uma reação química. Veremos três: a lei de Hess, o cálculo por entalpias de formação e o cálculo por energias de ligação médias.
A entalpia é uma função de estado, ou seja, o valor de ΔH só depende dos valores inicial e final de H, sem importar o trajeto.
Dessa forma, vamos imaginar uma reação genérica A (g) → B (g), com
Essa é uma primeira constatação importante: ao inverter uma reação química, o valor de ΔH troca de sinal.
A entalpia depende da quantidade de material, então dois mols de A (g) têm duas vezes a entalpia de um mol de A (g). Logo, os coeficientes dos participantes da reação influenciam no valor de ΔH. Se uma equação termoquímica for multiplicada por um número, o valor de ΔH também será multiplicado por esse valor:
Uma coisa crucial, que chamamos de lei de Hess (porque foi proposta pelo químico suíço Germain Henri Hess em 1840), é a possibilidade de “somar” equações termoquímicas e, ao mesmo tempo, somar os valores de ΔH. Usando o nosso exemplo genérico:
Essa ideia é importante na termoquímica porque permite descobrir a variação de entalpia de diversas reações a partir de dados já existentes, o que ajuda caso seja impraticável reproduzir com exatidão as reações químicas em questão.
Por exemplo: carbono grafite pode queimar na presença de O2, formando CO2 (g) ou CO (g). As reações balanceadas são:
É possível determinar as variações de entalpia das transformações de C (graf.) em CO2 (g) e de CO (g) em CO2 (g) na presença de oxigênio. Os valores de ΔH são os seguintes:
A reação cujo valor de ΔH queremos determinar é
Nossa reação final tem que ter C (graf.) com coeficiente 1 nos reagentes. Onde está o C (graf.) nas reações conhecidas? Bem, a reação I tem C (graf.) com coeficiente 1 nos reagentes. Então não vamos alterá-la.
Precisamos também de
Ao somarmos a reação I e a reação II invertida, teremos a reação final:
CO2 (g) foi “cancelado” na soma por aparecer dos dois lados da equação final. A reação final tem
Para toda substância composta (formada por dois ou mais elementos químicos), é possível definir uma reação de formação: os elementos, no estado padrão, reagem formando um mol da substância composta. Por exemplo:
O valor de ΔH dessas reações é chamado de entalpia de formação (ΔHf ou ΔfH) da reação; se os reagentes e produtos estiverem no estado padrão, dizemos que é uma entalpia padrão de formação (ΔHf° ou ΔHf⦵). Para os exemplos acima:
Dessa forma, é possível definir uma entalpia padrão de formação para qualquer substância composta; caso se trate de uma substância simples, essa entalpia padrão de formação será zero se ela estiver no estado padrão (exemplo: oxigênio, O2), senão será um valor diferente de zero (exemplo: ozônio, O3).
Esses valores de ΔHf° podem ser usados para calcular a entalpia de reações diversas. Para isso, vamos pensar da seguinte forma: como a variação de entalpia não depende do caminho que a reação faz, podemos imaginar que um caminho possível seria os reagentes se transformarem nos elementos que formam eles (nas substâncias simples), e esses elementos se recombinariam formando os produtos:
reagentes → elementos → produtos
Esse “caminho” pode ser quebrado em duas etapas:
(É necessariamente isso que acontece numa reação química? Não. Mas as características matemáticas da entalpia permitem que pensemos dessa forma.)
A etapa I é o inverso de uma reação de formação dos reagentes, então o valor de ΔH dessa etapa vai ser a soma dos valores de ΔHf° dos reagentes, só que com sinal trocado. A etapa II é a reação de formação dos produtos, então o valor de ΔH dela será a soma dos valores de ΔHf° dos produtos.
Para expressar a soma de diversos valores de ΔHf°, costuma-se usar o sinal de somatório da matemática:
Assim, é possível calcular os valores de
Por exemplo, vamos considerar a combustão completa do metano, com reagentes e produtos nos seus estados físicos a 1 bar e 25°C:
Consultando tabelas de entalpias padrão de formação, podemos ver que o valor de ΔHf° do CH4 (g) é −74,81 kJ/mol, do CO2 (g) é −393,51 kJ/mol e da H2O (l) é −285,83 kJ/mol. Para calcular as somas das entalpias de formação de cada lado, temos que levar em conta os coeficientes da equação final:
Essa multiplicação pelos coeficientes é necessária porque as entalpias de formação são em quilojoules por mol (kJ/mol); como a nossa reação tem 2 mol de O2 e 2 mol de H2O, as entalpias de formação dessas substâncias são multiplicadas por 2. No fim das contas, as duas somas saem apenas em quilojoules.coeficientes-estequiométricos
Assim, a variação de entalpia da queima do metano será:
Até agora nós trabalhamos com valores de ΔH, temos noção de que algumas reações químicas liberam calor, outras devem absorver calor pra acontecer… mas por quê? Por que uma reação química precisa fazer isso?
Vamos voltar a um ponto principal de uma reação química: substâncias se transformam em novas substâncias, e isso acontece porque os átomos dos reagentes se recombinam para formar os produtos. Nessa recombinação, podemos considerar que algumas ligações químicas se quebram (se desfazem), e que outras se formam.
O processo de ligação química costuma ser favorável para os átomos envolvidos. Então, tentar separá-los para quebrar a ligação tem um preço: é necessário adicionar energia a ela para que esses átomos se separem. Quebrar uma ligação química é um processo endotérmico.
E o contrário, portanto, é que formar uma ligação química é um processo exotérmico. Ao se juntarem e se ligarem, os átomos liberam energia porque atingem estabilidade juntos.
É possível medir a energia necessária para quebrar ou formar uma ligação química; esse valor é chamado de energia de ligação, e costuma ser determinado para átomos no estado gasoso.
Por exemplo, a energia de ligação média da ligação C−H é 412 kJ/mol. Ou seja, em média, é necessário fornecer 412 kJ de calor para quebrar um mol de ligações C−H (no estado gasoso); em contrapartida, quando um mol de ligações C−H (no estado gasoso) é quebrado, são liberados 412 kJ de calor, em média.
Os valores são médios porque a energia envolvida não depende só da ligação, os “arredores” também contam (outros átomos, no caso). Por exemplo, as quatro ligações C−H do metano não têm a mesma energia de ligação:
==fonte das energias: Chemistry³, p.630==
Se você calcular uma média das entalpias acima, não vai dar os 412 kJ/mol citados antes, porque o valor de energia de ligação média é obtido considerando vários compostos que tenham tal ligação. Outros valores de energias de ligação médias estão na Tabela .
falta coisa aqui: Tabela: Energias de ligação médias
É possível usar valores de energia de ligação média para estimar a variação de entalpia de algumas reações químicas. Por exemplo, podemos estimar a entalpia da reação entre metano e cloro:
Para entendermos melhor quais foram as ligações quebradas e formadas, vamos reescrever a equação química assim:
As reações quebradas são C−H e Cl−Cl, e as reações formadas são C−Cl e H−Cl. Assim, a estimativa pode ser feita contabilizando quanta energia é absorvida para quebrar as ligações C−H e Cl−Cl (valor positivo) e quanta energia é liberada ao formar as ligações C−Cl e H−Cl.
A variação de entalpia pode ser estimada juntando essas duas quantidades: se são absorvidos 654 kJ para quebrar ligações e são liberados 769 kJ ao formar outras ligações, então
Os valores de energia de ligação dão uma noção de quais ligações químicas são fortes e quais são fracas. Por exemplo, a ligação O−O requer em média 157 kJ/mol para ser quebrada, e por isso é considerada fraca, o que contribui para coisas como a decomposição razoavelmente fácil da água oxigenada, H2O2 (aq). Nessa reação, H2O2 se transforma em H2O e O2, que envolve a formação de uma ligação mais forte entre átomos de oxigênio (O=O, 496 kJ/mol).
Em geral, ligações múltiplas entre os mesmos átomos são mais fortes que ligações simples. Compare, por exemplo, as energias médias das ligações C−C (348 kJ/mol), C=C (612 kJ/mol) e C≡C (837 kJ/mol).
Uma das maiores energias de ligação conhecidas é a da ligação N≡N: em média 944 kJ/mol. É muito mais difícil quebrar a ligação da molécula de gás nitrogênio, muito mais do que várias outras ligações; por isso ele é um gás tão estável e praticamente inerte.
Inclusive, é por isso que vários explosivos têm nitrogênio na composição. A explosão é gerada pela queima do material, que libera muito calor em pouquíssimo tempo, mas também pela formação e expansão de gases nesse momento. A presença de nitrogênio em explosivos causa a formação de N2 na queima, algo que forma fortes ligações N≡N, liberando bastante energia, e ainda por cima forma gás, que se expande muito rápido devido à alta temperatura.
Uma ideia errada de energia de ligação, que pode parecer intuitiva à primeira vista, é que uma ligação química liberaria energia ao ser quebrada. Não é isso que acontece. Uma ligação química não é como um ovo, que você quebra e ele solta algo para o ambiente. Quando dizemos, na Química ou em outras ciências, que existe energia “guardada” nas ligações químicas, geralmente isso não está atrelado à quebra de uma ligação só, mas a alguma reação química que libera bastante energia devido às ligações que são formadas, que são mais estáveis.
Um exemplo clássico dessa confusão é o ATP (trifosfato de adenosina), envolvido em processos como fotossíntese e respiração celular. O ATP é uma molécula que tem, numa ponta, três grupos fosfato; quando o ATP sofre hidrólise (reage com água), um desses grupos fosfato sai da molécula, que se torna ADP (difosfato de adenosina). Esse processo libera energia (ΔH° = −20 kJ/mol, a 37°C), que é usada pelos processos biológicos, e pode ser revertido, caso o ADP e o grupo fosfato absorvam essa energia e se juntem de novo. É muito comum dizer, na bioquímica, que as ligações entre o grupo fosfato são de “alta energia” — mas isso não quer dizer que, apenas ao quebrá-las, essa energia é liberada; significa que a quebra da molécula (que envolve mais ligações do que só essa) é um processo que libera energia.