Nós já falamos de ácidos e bases no Capítulo 16, e vamos retomar esses conceitos porque eles são extremamente importantes na Química. Até então, nós chamamos de ácidos as substâncias que liberam H+ quando são dissolvidas em água e chamamos de bases as substâncias que liberam OH− ao serem dissolvidas em água.
Nessa altura do campeonato, talvez você já tenha deduzido que essas “liberações” são reações químicas que podem entrar em equilíbrio químico. Sendo assim, podemos atribuir constantes de equilíbrio a esses processos.
Dizemos que os ácidos se ionizam ao serem dissolvidos em água porque o processo de dissolução forma íons, já que esses ácidos costumam ser substâncias moleculares. Assim, a reação com a água durante a dissolução cria íons novos.
Considere o cloreto de hidrogênio, HCl (g), uma substância molecular. Ao dissolvermos esse gás em água, temos ácido clorídrico, HCl (aq), que se ioniza:
HCl (aq) ⇌ H+ (aq) + Cl− (aq)
Quando essa ionização atinge o equilíbrio, podemos atribuir uma constante Kc para ela. Como se trata da ionização de um ácido, chamamos essa constante de constante de acidez (ou constante de ionização ácida), e simbolizamos por Ka:
No caso do HCl, que é um ácido forte, esse equilíbrio favorece tremendamente a formação dos íons. Assim, o valor de Ka do HCl é bastante alto.
Agora considere o ácido acético, CH3COOH. Nessa substância, apenas um H consegue se ionizar (assim como no HCl), então o equilíbrio e Ka são:
No caso do ácido acético, que é um ácido fraco, esse equilíbrio não é tão deslocado, então o valor de Ka é bem mais baixo.
As bases que vimos até agora costumam ser iônicas, então dizemos que a dissolução em água simplesmente afasta esses íons, num processo chamado dissociação iônica.
Considere o hidróxido de sódio, NaOH (s), uma substância iônica. Ao ser dissolvido em água, ele se dissocia:
NaOH (aq) ⇌ Na+ (aq) + OH− (aq)
De maneira análoga à constante de acidez, podemos atribuir uma constante de basicidade (ou constante de dissociação básica), simbolizada por Kb:
O NaOH é uma base forte, então esse equilíbrio é bem deslocado para a separação dos íons. Assim, o valor de Kb do NaOH é bastante alto — e, pra efeitos práticos, não será usado.
Já para os casos de bases fracas, vai ser melhor nós expandirmos um pouco nossos conceitos de ácidos e bases pra conseguirmos explorar melhor essas situações.
Até agora, viemos usando as definições de ácido e de base propostas pelo químico sueco Svante Arrhenius: ácido é uma substância que libera íons H+ ao ser dissolvida em água, e base é uma substância que libera íons OH− na água. A definição de Arrhenius é útil para diversas aplicações, mas ela é limitada, especialmente por se referir apenas a soluções aquosas.
Outros cientistas propuseram definições mais amplas do que seriam ácidos e bases. A partir de agora, vamos considerar o que foi proposto pelo químico dinamarquês Johannes Nicolaus Brønsted e também, de maneira independente, pelo químico inglês Thomas Martin Lowry, em 1923.pronúncia-bronsted-lowryo-cortado
A definição de ácidos e bases de Brønsted e Lowry (ou “de Brønsted–Lowry”) gira em torno do íon H+, que nesse contexto costuma ser chamado de próton; afinal, um átomo de hidrogênio tem um próton e um elétron e, por isso, o cátion hidrogênio só seria um próton.próton
Ácidos de Brønsted–Lowry são substâncias que doam H+ (são doadores de prótons) e bases de Brønsted–Lowry são substâncias que recebem H+ (são receptores, ou aceitadores, de prótons). Assim, numa reação química ácido–base, o ácido transfere um próton para a base.só-bronsted
Por exemplo, considere a dissolução do HCl em água. Na perspectiva de Arrhenius, o HCl é um ácido porque, quando se dissolve na água, a ligação H−Cl se rompe, formando H+. Agora, na perspectiva de Brønsted–Lowry, esse H+ é transferido para uma molécula de H2O, que nesse caso se comporta como uma base:
Na reação acima, o HCl perdeu um H+ e, por isso, podemos dizer que ele foi desprotonado; com isso, ele se transformou em Cl−, que é considerada a base conjugada do HCl. Em compensação, a molécula de H2O recebeu um H+ e, por isso, dizemos que ela foi protonada, se transformando em H3O+, que é o ácido conjugado dela. (Perceba que, se a reação acima acontecesse no sentido inverso, o Cl− agiria como base, recebendo um H+ do H3O+, que agiria como ácido.)
Duas espécies químicas compõem um par de ácido–base conjugados se houver um H+ de diferença entre elas; nesse caso, os pares são HCl/Cl− e H3O+/H2O.
Um outro exemplo seria a dissolução da amônia em água. Sob a definição de Arrhenius, a amônia é uma base porque libera OH− em água — só que isso acontece por uma reação junto com a água, tanto que costuma-se dizer que a base é o hidróxido de amônio, NH4OH. Na perspectiva de Brønsted–Lowry, a molécula NH3 age como uma base, de fato:
Aqui, um próton é doado da molécula de H2O para a de NH3; assim, a água age como ácido e a amônia, como base. O íon amônio, NH4+, é o ácido conjugado da amônia, e o íon hidróxido, OH− é a base conjugada da água. (Perceba que há a diferença de um H+ entre os componentes dos pares NH4+/NH3 e H2O/OH−.)
Perceba que a água pode agir como ácido ou como base, dependendo da situação. Substâncias que podem agir como ácidos e bases são chamadas de anfóteras; no contexto da teoria Brønsted–Lowry, dizemos especificamente que elas são substâncias anfipróticas, que podem doar ou receber um próton.anfi
Para agir como ácido, a molécula deve ter um H para liberar como H+, ficando com o elétron extra dele. Para agir como base, a substância deve ter um par de elétrons livre para se ligar ao H+. A água pode agir como os dois, tornando-se H3O+ ou OH−.óxido-e-hidróxido
Na perspectiva da teoria de Brønsted–Lowry, a força de um ácido ou de uma base está ligada à facilidade em doar ou em receber um próton: ácidos fortes liberam prótons com facilidade, e bases fortes aceitam prótons com facilidade. Além disso, quando um ácido é forte, ele forma uma base conjugada fraca (e vice-versa). Da mesma forma, uma base forte tem um ácido conjugado fraco (e vice-versa).
falta coisa aqui: continuar
Vimos que a molécula de água é anfiprótica, ou seja, pode atuar como um ácido de Brønsted (formando a base conjugada OH−) ou como uma base de Brønsted (formando o ácido conjugado H3O+), e isso só depende da outra molécula envolvida.
E se essa outra molécula for uma molécula de água também?
Esse fenômeno existe e é chamado de autoionização da água ou autoprotólise da água. Duas moléculas de água podem entrar em equilíbrio químico, trocando um próton que vai e vem entre elas:
A constante de equilíbrio da autoionização da água é chamada produto iônico da água (Kw).water Levando em conta que ignoramos a concentração de solvente na expressão de uma constante de equilíbrio, podemos concluir que:
Assim como outras constantes de equilíbrio, o valor de Kw depende da temperatura; a 25°C, Kw = 1 × 10−14. Na água pura, qualquer íon H3O+ ou OH− vem dessa autoionização, que forma quantidades iguais desses íons, portanto, as concentrações são iguais; sendo assim, se chamarmos esse valor de x:
A concentração de H3O+ e de OH− na água pura, a 25°C, é de 1 × 10−7 mol/L, uma quantidade bem pequena.
Quando há algum ácido ou base dissolvido na água, um desses íons tem um aumento de concentração. Mas o valor de Kw não muda, então isso causa uma diminuição na concentração do outro íon, de forma que o valor de Kw mantenha-se constante.
Quando há um ácido dissolvido na água, isso aumenta a concentração de H3O+, deslocando o equilíbrio de autoionização da água, e reduzindo a concentração de OH−. Assim, numa solução ácida, [H3O+] > 10−7 mol/L e [OH−] < 10−7 mol/L.
Já no caso de uma base dissolvida em água, isso aumenta a concentração de OH−, diminuindo a concentração de H3O+. Assim, numa solução básica, [OH−] > 10−7 mol/L e [H3O+] < 10−7 mol/L.
Por exemplo, considere uma solução aquosa que tem uma concentração de H3O+ igual a 2 × 10−3 mol/L. Essa solução é ácida, neutra ou básica? Qual é a concentração de OH− nela?
Bem, como sabemos que
É possível expressar a acidez ou a basicidade de uma solução usando [H3O+] e [OH−]. Mas, em vários casos, essas concentrações são menores que 1 mol/L, podendo chegar a valores como 10−14 mol/L, e trabalhar com potências (ainda mais com expoentes negativos) pode ser confuso.
Para isso, em 1909, o químico dinamarquês Søren Sørensen criou uma grandeza chamada pH, usada para expressar e comparar a acidez e a basicidade de diversos materiais. (Costuma-se dizer que pH é uma sigla para “potencial hidrogeniônico”, mas isso é discutível.)
Nós já falamos de pH no ==Capítulo X ==: é um número, que costuma variar entre 0 e 14, usado para indicar a acidez de uma solução. Quanto menor o pH, mais ácida é a solução. Mas por que uma solução mais ácida teria um pH menor? De onde vêm esses números 0 e 14?
A definição matemática de pH é a seguinte:
pH = −log [H3O+] (ou −log [H+])
Para calcular o pH a partir da concentração de H3O+, é necessária uma operação matemática chamada logaritmo (o “log” ali na fórmula). Logaritmos são úteis para comparar quantidades numa faixa de valores muito ampla, por exemplo: valores que abrangem várias potências de 10 — digamos, um valor que varia de unidades a bilhões. Nesse caso, o pH vem da aplicação de um logaritmo decimal a um valor de [H3O+].
Por exemplo, o pH da água pura a 25°C é 7, porque nessa situação, [H3O+] = 1 × 10−7 mol/L, e −log (1 × 10−7) = 7.
Uma solução 0,1 mol/L de HCl tem [H3O+] = 1 × 10−1 mol/L, portanto tem um pH = −log (1 × 10−1)= 1. Já uma solução 0,1 mol/L de NaOH tem [H3O+] = 1 × 10−13 mol/L, portanto tem um pH = −log (1 × 10−13)= 13.
Perceba que concentrações altas de H3O+ equivalem a valores baixos de pH (e vice-versa). Além disso, quando [H3O+] é uma potência de 10 com expoente inteiro, esse expoente (com sinal trocado) é o pH.
Na temperatura de 25°C, ácidos têm pH menor que 7, bases têm pH maior que 7 e soluções neutras têm pH igual a 7.
Voltando ao exemplo da seção anterior, de uma solução com [H3O+] = igual a 2 × 10−3 mol/L. Qual é o pH dela?
Bem, como sabemos que
A escala de pH vem de um logaritmo decimal, então uma diferença de uma unidade de pH corresponde a uma diferença de dez vezes a acidez de uma solução. Por exemplo, uma solução com pH 3 é dez vezes mais ácida do que uma solução com pH 4 — ou seja, na solução com pH 3, a concentração de H3O+ é dez vezes a concentração de H3O+ na solução com pH 4.
Se a diferença for de duas unidades de pH, as concentrações de H3O+ diferem por um fator de 100 (= 102); se a diferença for três unidades de pH, as concentrações diferem por um fator de 1000 (=103); e assim por diante.
De maneira análoga ao pH, foi criada a grandeza pOH, definida como:significado-pOH
> pOH = −log [OH−]
Concentrações altas de OH− (ou seja, soluções básicas) correspondem a valores pequenos de pOH. Já concentrações baixas de OH− (ou seja, soluções ácidas) correspondem a valores grandes de pOH.
Da mesma forma que as concentrações de H3O+ e OH− estão relacionadas pelo produto iônico da água (Kw = 1 × 10−14, a 25°C), os valores de pH e pOH de uma solução também estão relacionados:
Usando a nossa solução com pH 2,7, podemos facilmente concluir que o pOH dela é 14 − 2,7 = 11,3. (Se fizermos o cálculo a partir da concentração de OH− que já calculamos também, 5 × 10−12 mol/L, chegaremos no mesmo resultado.)
O pH é calculado a partir da concentração de H3O+. Mas e se tivermos a concentração do ácido, como se calcula o pH? Bem, depende de quão forte é o ácido.
Ácidos fortes são aqueles em que consideramos que a ionização aconteceu completamente. Ou seja, todas as moléculas HA se ionizaram e formaram H3O+. Assim, a concentração de H3O+ em uma solução de ácido forte pode ser considerada igual à concentração inicial do ácido HA.ácido-forte
Por exemplo, uma solução 0,20 mol/L de HCl (um ácido forte) terá pH = −log 0,20 = 0,70.
Já para um ácido fraco, não podemos ser tão imediatos: apenas uma fração do ácido vai se ionizar, e temos que usar a tabela início/mudança/equilíbrio, como vimos no ==Capítulo X==.
Por exemplo, considere uma solução 0,20 mol/L de ácido acético (CH3COOH), um ácido fraco com Ka = 1,8 × 10−5. Qual será o pH dessa solução?
Primeiro, vamos equacionar a ionização do ácido acético:
A água é um solvente então, para todos os efeitos, a concentração dela é constante e não entra na expressão de Ka. As outras concentrações vão ser levadas em conta; vamos considerar que, dos 0,2 mol/L, uma parte x se ionize:
| + | ⇌ | + | |||||
|---|---|---|---|---|---|---|---|
| Início (mol/L) | 0,2 | — | 0 | 0 | |||
| Mudança (mol/L) | −x | — | +x | +x | |||
| Equilíbrio (mol/L) | 0,2 − x | — | x | x |
Perceba que x será, também, a concentração de H3O+, que será usada para calcular o pH. Se montarmos a expressão de Ka:
Podemos desenvolver essa equação do segundo grau e descobrirmos x usando a fórmula quadrática (fórmula de Bhaskara), como já fizemos em outras ocasiões. Mas por hora, podemos tentar lançar mão de uma aproximação: considerando que x seja uma quantidade bem pequena, podemos considerar que 0,2 − x ≈ 0,2.aproximação
Assim,